Mendoza possui hoje cerca de 1200 vinícolas, sendo 174 delas abertas para visitação. Algumas mantiveram-se pequenas, enquanto outras fazem parte de conglomerados multinacionais. Nos últimos anos, os holofotes têm se virado ainda mais para o destino por conta da premiação World’s Best Vineyards, cuja primeira edição aconteceu em 2019 e elege anualmente as 100 melhores vinícolas do mundo. O “Oscar dos vinhedos” surgiu como um braço do consagrado World’s Best Restaurants, que distribui prêmios para os 100 melhores restaurantes do mundo desde 2002.
Na primeira edição do prêmio, a vencedora foi a Zuccardi Valle de Uco, ao sul de Mendoza, e o mesmo pódio se repetiu nos dois anos seguintes. Em 2022, foi a vez de uma vinícola da Toscana levar o troféu, a magnífica Antinori nel Chianti Classico. Em 2023, o pódio voltou para Mendoza, dessa vez para a Catena Zapata, a vinícola que capitaneou o maior salto de qualidade pelos quais os vinhedos argentinos passaram com a implantação de tecnologias trazidas do Napa Valley, na Califórnia.
O que todas as vinícolas de grande porte têm em comum? Instalações cinematográficas, paisagens de arrebatar, visitas guiadas muito bem estruturadas, projetos arquitetônicos arrojados, degustações, restaurantes, por vezes hotéis. Como se vê, o prêmio Best Vineyards não avalia a qualidade dos vinhos e foca totalmente no receptivo de enoturismo. O que muitas das vinícolas fazem muito bem é elevar a visita ao status de parque temático, para o deleite dos visitantes. Isso quer dizer também que elas são disputadíssimas, o que requer do viajante não apenas planejamento na hora de escolher, mas também antecedência. Para algumas, como a Catena Zapata, dois meses é o tempo mínimo.
Como toda a premiação carrega algum grau de subjetividade, não é possível atestar que as vinícolas maiores e que ocupam os primeiros lugares terão sempre as melhores visitas. Por vezes, o nível de profissionalização é tamanho que o receptivo pode se tornar engessado e impessoal. Por isso, uma estratégia interessante em Mendoza é misturar visitas às grandes vinícolas com outras de médio e pequeno portes, e nunca passar de três ao dia para que o passeio não vire uma maratona ou, pior, uma grande ressaca na manhã seguinte.
Para a visita com degustação, espere gastar por pessoa a partir de R$ 70 nas vinícolas menores e cerca de R$ 300 nas maiores (valor no câmbio blue; saiba mais sobre moeda na Argentina no final do texto). Visitas com almoço harmonizado (“maridaje”) podem custar cerca de R$ 500 por pessoa ou bem mais, a depender dos vinhos escolhidos.
AS REGIÕES VINÍCOLAS DE MENDOZA
A área vitivinícola de Mendoza está distribuída em três regiões principais: Luján de Cuyo (20km de Mendoza), Maipú (47km) e Valle de Uco (70km ao sul). Você pode escolher Mendoza como base e fazer esticadas diárias até as bodegas de Luján de Cuyo e Maipú. Em ambas é possível avistar vinhedos e ter como horizonte a chamada pré-cordilheira, que são as montanhas que fazem parte do Cordon del Plata. Você também pode fazer bate-e-volta até o Valle de Uco, apesar de ficar a cerca de 1h30 de Mendoza, ou usar o destino como uma segunda base – o lugar ganhou nos últimos anos pousadas boutique luxuosas, que costumam ter poucos quartos e um cardápio de atividades como spa, caminhadas e até sobrevoo em hidroavião.
HOTÉIS EM MENDOZA
A melhor região para se hospedar na cidade é nas imediações da Plaza Liberdade, que é onde estão os três melhores hotéis: Park Hyatt (nota 8,6 no Booking), Diplomatic (nota 9) e Sheraton (nota 8,6). Veja outras opções de hospedagem.
COMO VISITAR AS VINÍCOLAS
O menos recomendado para percorrer as vinícolas é alugar um carro, sobretudo porque as visitas incluem degustações. Uma boa opção é contratar um veículo com motorista, o chamado remis, que poderá ficar o dia todo com você. Outra opção é o tour guiado de agências de receptivo, opção que costuma ser mais barata que o remis e vale muito a pena para quem viaja sozinho. Há também o Bus Vitivinicola, que a cada dia da semana percorre uma região diferente. Existe Uber em Mendoza, mas acaba sendo a pior das opções porque as distâncias são longas e há risco de ficar na mão se você estiver em uma região mais distante e precisar voltar para o Centro.
+ A Civitatis tem tour por vinícolas a partir de R$ 120 por pessoa
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QUANDO VISITAR MENDOZA
Não há época ruim, uma vez que cada estação tem a sua peculiaridade. O outono é definitivamente a mais bonita porque é quando as folhas dos parreirais ganham diferentes colorações e as folhas dos álamos caem formando lindos tapetes. O verão tende a ser muito quente, o clima é de deserto e à noite as temperaturas sempre caem (fevereiro e março é quando acontece a vindima, época de parreirais carregados e bodegas trabalhando a todo vapor na colheita). No inverno pode nevar e os parreirais secam, talvez não seja a melhor época para estar ao ar livre. Na primavera, tudo ganha cor e as temperaturas são mais amenas.
BODEGAS IMPERDÍVEIS EM MENDOZA
Catena Zapata (Luján de Cuyo)
A mais famosa vinícola de Mendoza, e atual melhor do mundo, causa impacto logo na chegada. A impressionante arquitetura da bodega é uma releitura de uma pirâmide inca, com um vão central vazado onde vários lances de escadas interligam os andares. Um ponto impressionante é a imensa sala com centenas de barricas de carvalho enfileiradas, lugar onde a bebida “descansa” e vai ganhando complexidade. A repetição delas, idênticas e em grande número, causa um efeito visual muito interessante (algumas degustações podem acontecer na sala envidraçada com vista para as barricas). No terraço da pirâmide é possível ter uma visão panorâmica dos vinhedos.
A história da vinícola está diretamente ligada com a profissionalização da enocultura em Mendoza. O fundador, Nicolás Catena Zapata, foi quem trouxe para a Argentina nos anos 1980 as primeiras mudas de malbec, que ao longo dos anos se tornaria a uva que melhor traduziria a identidade, ou o terroir, do vinho mendocino.
Um importante adicional da visita turística da Catena foi a inauguração do restaurante Angélica Cocina Maestra no final de 2022, logo na entrada da vinícola. O lugar é de muito bom gosto e as mesas são colocadas em pergolados que circundam um grande pátio. Poderia estar na Toscana. O menu é servido em etapas e harmonizado com rótulos da casa. Não deixe de provar o azeite de oliva que também é produzido pela vinícola. O gran finale é a sala de degustação que fica no subsolo do novo restaurante e que é imperceptível num primeiro momento. O acesso a ela é por corredores labirínticos ladeados por quadros que contam a história da família. É preciso reservar com pelo menos dois meses de antecedência ou torcer por alguma desistência. Clique para reservar degustações e refeições na Catena Zapata.
Zuccardi | Finca Piedra Infinita (Valle de Uco)
Quanto mais ao sul de Mendoza se vai, mais próximo você estará da cordilheira dos Andes. Nesse ponto a Zuccardi Piedra Infinita, inaugurada em 2017, é uma das vinícolas mais bonitas porque se vale da ótima localização, com vinhedos praticamente enquadrados pelas montanhas. A arquitetura salta aos olhos porque é diferente de tudo. Moderníssima, os tanques de aço para a fermentação das uvas são minoria. No lugar do inox, entram tanques de concreto em formato ovalado. O método surgiu na França em 2001, mas não é tão difundido por custar mais caro. Por não ter bordas ou esquinas, as leveduras ficam em constante movimento dentro do ovo, o que acaba dispensando o bombeamento e outras interferências mecânicas. A bebida, nesse processo, acabaria ganhando em complexidade e textura. Não há consenso entre os enólogos de que o cimento seja melhor do que o inox, mas sem dúvida o efeito estético do ovalado é mais interessante para quem vê. Visita e almoço na Zuccardi Piedra Infinita devem ser reservados.
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Anaia Wines (Luján de Cuyo)
Inaugurada em 2021, a Anaia é uma das mais novas vinícolas de Mendoza e tanto a localização quanto a arquitetura são surpreendentes: o prédio da bodega surge organicamente na paisagem e parece brotar do solo. De linhas retas e minimalistas, a construção enaltece a chamada cordilheira frontal que serve como pano de fundo. A visita é das mais interessantes porque o dono, o engenheiro Osvaldo del Campo, inventou os próprios tanques de fermentação, que ganharam formato de cuia de mate. Isso mesmo. A cuia da qual muitos argentinos não desgrudam serviu de inspiração para os tanques de concreto e, segundo Osvaldo, o design é um avanço dos tanques ovalados (veja foto na galeria abaixo).
Da sala de degustação, janelões deixam ver os imensos “mates” enfileirados e também um bonito enquadramento dos vinhedos e de um espelho d’água. A Anaia entra na categoria das vinícolas médias, onde tanto Osvaldo quanto a mulher, a sommelier Patricia Serizola, costumam estar presentes, junto com Mariana Borzani, a simpática chefe de hospitalidade. A vinícola também tem uma casa principal moderníssima com seis quartos muito aconchegantes que pode ser alugada por inteiro por grupos ou para festas de casamento. Reserve visita e degustação na Anaia.
Salentein (Valle de Uco)
A Salentein, vinícola de capital holandês, soube combinar em seu projeto a tradição e o contemporâneo. É de longe a visita mais impactante por conta da grandiosidade do lugar. A produção chega a 3 milhões de litros de vinho por ano e a vinícola está em nono lugar no ranking da Best Vineyards. Logo na entrada, um grande pavilhão modernista com um espelho d’água no centro serve de recepção. E o improvável – e surpreendente – é que naquele pedaço, à esquerda de quem entra, há uma galeria de arte fantástica com obras de artistas holandeses e argentinos.
Nos fundos deste prédio avista-se um mar de vinhedos e uma extensa alameda leva até o edifício monumental, que abriga a planta de vinificação. Os guias vão conduzindo a pé os grupos ao longo da estradinha de terra e parando em pequenos pergolados no caminho para dar explicações, um alento para os dias de sol inclemente. No interior do edifício, o pé direito é altíssimo e há um clima solene que faz lembrar uma catedral. Do andar de cima avista-se os diversos tanques de aço inoxidável onde acontecem a fermentação e a maturação das uvas. O epicentro da construção é uma área em formato de anfiteatro com o desenho de uma rosa dos ventos no chão que é escoltada por centenas de barricas de carvalho francês. A Salentein também serve refeições harmonizadas. Veja todas as opções de tours na Salentein.
+ A Civitatis tem tour guiado por adegas no Vale de Uco, em Maipú e em Luján de Cuyo
REFEIÇÕES IMPERDÍVEIS
Casa Vigil Bodega | El Inimigo (Maipú)
A Casa Vigil é de propriedade de Alejandro Vigil, principal enólogo da Catena Zapata que decidiu ter a sua própria vinícola. Alê, como é mais conhecido, virou uma espécie de embaixador honorário de Mendoza e figura respeitada pelo trabalho que faz na difusão do vinho argentino. Aqui um adendo: a Casa Vigil não é simplesmente uma bodega, mas a casa de Alejandro. O lugar abriga um ótimo restaurante com mesas espalhadas pelo agradável jardim e os tours contam a história do vinho atravessada por passagens da Divina Comédia, de Dante Alighieri.
O clima é de casa de campo, intimista. O carro-chefe do restaurante é a costela que passa por um processo de cozimento de 12 horas e chega na mesa se desmanchando. Além dos vinhos, a Vigil tem uma produção premiada de azeites de oliva e tudo é vendido na ótima loja da bodega. Reservas de degustações e refeições na Casa Vigil.
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Finca El Paraíso – Bodega Luigi Bosca (Maipú)
Um lindo palacete neoclássico de 1905 foi reformado e virou o cenário perfeito para uma visita seguida por um piquenique. O tour é feito com audioguias e há três pontos de degustação no decorrer do percurso. Ao fim do tour, com toalhas devidamente estendidas, é a vez do convescote entrar em cena com direito a empanadas, sopa, queijos, embutidos, sorvete de doce de leite e, claro, uma garrafa de Luigi Bosca. Reserve tour e piquenique na Finca El Paraíso.
Veja outras vinícolas para se ter no radar em cada uma das sub-regiões:
Luján de Cuyo
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Maipú
Bodega Santa Júlia (Família Zuccardi)
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Valle de Uco
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HOSPEDAGEM EM VINHEDOS
Em Luján de Cuyo, o upgrade fica por conta de dois endereços: o Cavas Wine Lodge, da rede Relais & Chateâux, é um dos pioneiros das hospedagens de luxo em meio a vinhedos e as villas seguem o estilo colonial espanhol; outro veterano na mesma região é o Entre Cielos, cujas cabanas estão rodeadas por vinhedos e o serviço de spa é dos mais elogiados.
Na região de Valle de Uco, a cerca de 1h30 de Mendoza, as hospedagens seguem na mesma toada, com poucos quartos e serviço de primeira. O projeto contemporâneo do Casa de Uco valoriza o entorno por meio de janelões e o resort organiza passeios a cavalo, de bicicleta e trilhas pela montanha.
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A grande novidade do Valle de Uco é a pousada luxuosíssima de Susana Balbo, primeira enóloga da Argentina e uma das grandes personalidades de Mendoza. Ela produz vinhos há mais de vinte anos, mas a sua mais recente empreitada junto com a filha Ana é um hotel luxuosíssimo, o SB Winemaker’s House & Spa Suites. Inaugurado em abril de 2022, são apenas 7 cabanas espaçosas totalmente equipadas e automatizadas: espreguiçadeiras e chão aquecidos, cortinas que se abrem e fecham via tablet, televisão que sobe a um toque de botão, banheira, sauna e, o grande diferencial, o serviço de spa acontece dentro das acomodações, para onde são levadas macas e o que mais for preciso para as terapias. A piscina ao ar livre é aquecida e, nas áreas comuns, há lindas obras de artistas argentinos e até uma fotografia de Sebastião Salgado. Um upgrade que a pousada pode organizar são os passeios em um hidroavião que sobrevoa a cordilheira e pousa dentro de um lago.
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VINHO NA BAGAGEM DE MÃO
Passageiros podem embarcar no aeroporto de Mendoza com até 6 garrafas de vinho na bagagem de mão e outras 10 na bagagem despachada, totalizando 12 litros.
DINHEIRO EM MENDOZA
O câmbio paralelo, o chamado blue, é o que torna a Argentina um país relativamente barato. Nunca compre pesos no Brasil, será sempre a pior cotação por se tratar de câmbio oficial. Do mais vantajoso para o menos vantajoso, veja como ter seus reais valorizados:
1) transferir dinheiro da conta corrente para a Western Union, que opera no câmbio blue, e sacar em uma de suas agências (evite transferir valores altos porque há o risco de não haver moeda na hora de sacar). O inconveniente é ter que sair com bolos de dinheiro. Trocar reais por pesos em cuevas costuma ser menos vantajoso em Mendoza (o dólar, em contrapartida, sempre terá a melhor cotação).
2) usar cartão de débito internacional abastecidos com dólar (como Wise, Nomad, C6 e Inter), que tem IOF de 1,1% e também opera no câmbio blue (cartões da bandeira Mastercard utilizam o câmbio oficial no momento da compra, mas depois de alguns dias estornam o valor).
3) usar cartão de crédito do seu banco no Brasil, que cobra o IOF mais caro, de,38%, mas ainda assim utiliza o câmbio blue na cotação.
No caso de hotéis, o mais vantajoso é pagar com cartão de débito internacional ou de crédito brasileiro porque você fica isento do adicional do IVA, que é de 21% sobre o total das diárias (no pagamento de diárias em espécie sempre incidirá o IVA). Para se beneficiar do esquema, o hotel, que normalmente anuncia diárias em dólares, precisa concordar que o valor a ser cobrado na maquininha será em pesos e no câmbio oficial, do contrário deixa de ser vantajoso (pergunte antes de fechar a reserva). Saiba mais sobre o câmbio de dinheiro na Argentina.