Até então, as minhas únicas referências de “arte imersiva” eram as exposições do MIS Experience (que hoje exibe Portinari), em São Paulo, e também algumas fora do Brasil, sobre Van Gogh e Monet. Desde que a apreciação da arte não seja substituída por um mecânico tirar e postar selfies, não tenho nada contra esse tipo de montagem, que pode aguçar o interesse de muita gente por história da arte. Mas eu já esperava por algo mais visceral do Superblue Miami, que promete ser um “espaço revolucionário de arte experimental”.
O museu, se é que ele pode ser chamado assim, ocupa um armazém renovado do distrito industrial de Allapattah. Depois do processo de gentrificação do seu vizinho Wynwood, o bairro também começou a ser repaginado com a chegada do Rubell Museum, uma instituição de arte contemporânea mais tradicional que abriu as portas no final de 2019. O Superblue Miami inaugurou logo em frente, na mesma rua, em maio de 2021. Mas ainda existe um longo caminho pela frente para Allapattah, onde a taxa de criminalidade é 165% maior do que a média dos Estados Unidos.
Só tive conhecimento dessa estatística depois de ter pego em Miami Beach, onde estava hospedada, o ônibus J – Airport Station, que deixa a poucos passos do novo espaço. A curta caminhada foi suficiente para eu me deparar com ruas ermas, onde ainda predominam centros de distribuição e fábricas. A estação Santa Clara do Metrorail, a dez minutos a pé, também pode ser tentadora para quem está em Coconut Grove ou Brickell. Mas, na dúvida, é melhor chegar ali de Uber, como faz a maioria. Isso inclui quem vem de Wynwood, de onde a corrida dura menos de dez minutos.
Os ingressos, que custam US$ 36 por adulto, devem ser comprados antecipadamente com data e horário marcado pelo site do Superblue Miami. A recomendação é chegar com 15 minutos de antecedência e, para ter a entrada liberada, basta apresentar o QR Code na própria tela do celular.
Meadow
Idealizada pelo estúdio de arte holandês DRIFT, Meadow é a primeira instalação que se vê ao adentrar o museu. Trata-se de uma escultura cinética com flores mecânicas que abrem e fecham em padrões de velocidades e cores alternadas. Hipnotizada e quase em estado meditativo, em dado momento suspeitei que a movimentação dos visitantes influenciava a dos pendentes de alguma forma sutil. Ao pesquisar sobre a obra, descobri que minha intuição estava certa: existe um conjunto de sensores que garantem a interação entre a obra e o observador.
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Massless Clouds Between Sculpture and Life
A sensação é a de ter alcançado os céus ao adentrar na sala seguinte, onde uma misteriosa espuma forma nuvens gigantescas que flutuam e se movem em torno dos visitantes com a ajuda de ventiladores, efeito que é ampliado pelos espelhos que estão por todos os lados. Na tentativa de entender do que as nuvens são feitas, toquei-as só para ver elas se separando, se juntando e ganhando sucessivamente novas formas. Ao caminhar entre elas, as roupas podem ficar um pouco úmidas, motivo pelo qual são distribuídas capas de chuva antes de entrar. A obra de arte interativa é invenção do TeamLab, que nasceu em Tóquio e se tornou um coletivo de arte internacional que reúne programadores, animadores, engenheiros, matemáticos, arquitetos e artistas. Essa experiência, especificamente, não está incluída no ingresso e deve ser paga à parte, com reserva também pelo site. Custa US$ 12.
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Between Life and Non-Life
Se a experiência de estar entre as nuvens já tinha sido mágica, Between Life and Non-Life foi pura fruição. Outra criação do TeamLab, a obra de arte é uma gigantesca projeção de vídeo interativa que se estende do chão até as paredes de nove metros de altura. Quando cheguei, flores começaram a desabrochar sob os meus pés e iam me acompanhando lentamente por onde quer que eu andasse. Aos poucos, elas cresceram o suficiente para cobrir tudo ao meu redor, transformando o espaço em uma deslumbrante extravagância floral. Até que as flores começaram a ser varridas por gotas de chuva, que corriam pelas paredes e poderiam ser momentaneamente interrompidas pelo toque da minha mão. Logo elas se transformaram em cascatas, dando origem a riachos que se separavam sob os meus pés. De repente, tudo tinha sido preenchido pela corrente d’água. Mas bastou tocar novamente na parede para voltar a ver flores surgindo, dessa vez em novas cores.
Como as visitas ao Superblue Miami são com hora marcada, as instalações nunca ficam cheias de gente. Mas, ao mesmo tempo, não há nenhum funcionário te apressando para seguir para a próxima sala. Por isso, perdi a noção do tempo e passei longos minutos ali vendo o ciclo de flores e água se repetir sucessivamente. “Uma vez que as pessoas reconhecem a tela, ela se torna um limite. Estamos tentando eliminar ou suavizar o limite”, comentou Toshiyuki Inoko, cofundador do TeamLab, sobre a obra. Só sei que deixei-a depois de muito tempo, relutante e com lágrimas de emoção nos olhos.
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Proliferating Immense Life, A Whole Year Per Year
O Superblue Miami também pode ser um bom programa para quem viaja com crianças. No corredor seguinte, optei por assistir um menino se divertindo ao interagir com mais uma projeção floral do TeamLab. Nesse caso, o toque das mãos parece acelerar o crescimento de flores altíssimas até que acontece uma explosão de pétalas. Em outra sequência de imagens, o toque sobre uma flor fazia fazia com que ela murchasse, apesar do garoto parecer não se dar conta disso. Talvez uma alusão à intervenção humana na natureza? À efemeridade da vida?
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AKHU
Alerta de spoiler: boa parte da graça dessa instalação é não saber o que acontecerá ali. O californiano James Turrell coloca os visitantes de frente para o que parece ser uma tela luminosa instransponível. Até que alguém dá um passo adiante e… entra no retângulo! O meu espanto foi tamanho que estendi os braços antes de adentrar na sala, com medo de bater a cara em uma parede. A cada passo, me surpreendia mais e mais conforme descobria se tratar de um espaço enorme, com paredes, piso e teto brancos que vão ganhando diferentes cores com a ajuda de luzes. O artista definiu a obra como sendo “ganzfeld”, palavra alemã sem tradução exata que denomina e perda de percepção espacial que ocorre diante de um campo visual uniforme e inexpressivo, como em um nevoeiro. “Akhu”, por outro lado, é uma palavra de origem egípcia que poderia ser traduzida como “alma”. Justamente para não estragar a surpresa, não é permitido fotografar ou filmar lá dentro.
Forest of Us
Alerta de spoiler: boa parte da graça dessa instalação é não saber o que acontecerá ali. “Toda vez que chego a uma bifurcação na estrada, escolho os dois caminhos”, começa dizendo o filme de três minutos da artista Es Devlin. Uma sucessão de imagens de objetos que se ramificam de alguma forma, como galhos de árvore e riachos, vão aparecendo em sequência enquanto a narração continua. Por fim, a voz diz: “você consegue encontrá-lo? Vá e encontre!”. E nesse exato momento a tela que pensava-se ser instransponível se parte ao meio e abre como uma porta, revelando que ali dentro há um labirinto de espelhos dividido em dois andares. Eventualmente você vai parar em um espelho d’água, que descobri ser água de verdade depois de ter quase pisando nela, diante de mais um espelho. Só que, ao se posicionar diante de círculos marcados no chão, você pode levantar os braços para ver seu contorno transformado em uma espécie de conjunto de galhos, que acompanham seus movimentos.
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Conclusão?
Fiquei obcecada fazendo stories do abrir e fechar de flores de Meadow. Filmei boa parte do vai e vem de nuvens de Massless Clouds. Pedi para tirarem uma foto minha em meio às correntes d’água de Between Life and Non-Life. Assim como acontece nas exposições imersivas de Van Gogh, o desejo de registrar tudo aquilo é tamanho que o celular não sai das mãos dos visitantes. Mas nem por isso o Superblue Miami deixa de cumprir a promessa de mudar a forma como experenciamos a arte. Mais do que uma série de instalações tecnológicas que visam impressionar, as obras ali presentes provocam a reflexão e a meditação. Diante da possibilidade de afetar a arte em seu entorno e de alguma forma dissolver as telas diante de si, o melhor conselho, por mais banal que seja, é “manter a mente aberta”.