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O melhor da Austrália: praia, deserto, urbanismo e zero estresse

Da Baía de Sydney ao skyline de Melbourne, das praias de Byron Bay ao deserto vermelho do Outback, a Austrália oferece um mix de paisagens inigualáveis

Por Adriana Setti
Atualizado em 12 jan 2017, 16h39 - Publicado em 27 nov 2015, 17h51

Uma vez instalada na casinha alugada, me dei conta de que eu estava sem as chaves. Telefonei à proprietária e expliquei a situação. “Ah! É que não tranco as portas há muito tempo, nem quando viajo”, disse a psicóloga Eileen Stewart, que mora há 20 anos na Praia de Noosa, Costa Leste da Austrália.

Esse tipo de despreocupação não é privilégio de cidades pequenas no país. Em Melbourne, metrópole de 4 milhões de habitantes, cheguei tarde da noite à casa em que eu estava hospedada e notei que o carro da ambientalista Fiona Coates, minha anfitriã, tinha sido estacionado na rua com as portas escancaradas. No worries, mate: ela havia molhado o banco na volta da praia e achou melhor dar uma arejada no possante.

Austrália tem paisagens variadas, turismo sustentável e muita segurança

Do outro lado do planeta, a terra dos cangurus tem um mix quase inigualável de cenários: as baías de Sydney, o skyline de Melbourne, praias idílicas, vinhedos, o deserto vermelho, a Grande Barreira de Corais… Mas a maior maravilha australiana não é palpável. Viajando pelo país, é possível apertar a tecla off das paranoias urbanas, algo que surte mais efeito sobre suas toxinas e nódulos de tensão que um ano de ioga com suco verde. Antes de tremer diante da distância, pense de outra forma: você voltará pra casa com um tanto a mais de fé na humanidade. E isso vale cada minuto das mais de 20 horas de voo.

Oz, o apelido do país, é uma singela abreviação de Austrália, segundo a peculiar pronúncia local do inglês (“oztreilia”). Mas a referência ao reino encantado do clássico de Hollywood também faz sentido. As pessoas são gentis, não se atravessa a rua com o sinal vermelho, ninguém embarca no trem sem pagar, furar fila está fora de cogitação.

Pulverizadas por uma ilha quase do tamanho do Brasil, as atrações estão conectadas por linhas aéreas eficientes e baratas (Tigerair, Jetstar, Virgin) e estradas seguras, em que o maior risco é atropelar um canguru.

Banheiros públicos são impecáveis e onipresentes, há hotéis com várias faixas de preço, campings imbatíveis, parques e áreas de descanso equipados com churrasqueiras – elétricas e gratuitas. Nenhuma praia fora das grandes cidades tem construções que avançam sobre a areia. O desenvolvimento do turismo de forma sustentável vem de longa data e serve de exemplo para todo o mundo.

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Estradas australianas: um dos maiores riscos é atropelar um canguru (foto: Thinkstock)

Sydney: a metrópole relax

Muvuca, rojão, beijo na boca, Exu: a virada do ano em Sydney não tem nada disso. Para assistir ao espetáculo que empata em fama com Copacabana, é preciso seguir uma lista enorme de regras para acessar os espaços públicos de onde se vê a queima de fogos (bebida alcoólica é proibidíssima).

Mas, ainda que mantenha a franga presa no Réveillon, Sydney sabe conciliar sua posição de motor econômico da Austrália com um lifestyle arejado. Num dia de semana, lá pelas 8 da noite, vivi a experiência insólita de ser o único ser humano a caminhar pelo CBD, o centro financeiro da cidade. Caiu a ficha: num país que preza a qualidade de vida, não se trabalha após o horário comercial.

Em compensação, o calçadão de Manly e as areias de Bondi Beach estão sempre movimentadas bem antes das 8 da manhã e depois das horas. Vertical e frenética no CBD, a área metropolitana de Sydney abrange incontáveis subúrbios de propaganda de margarina que se mesclam a um patrimônio natural invejável. Ao norte está o Parque Nacional Ku-ring-gai Chase. Ao sul, o Royal National Park é cortado por uma estradinha que descortina vistas alucinantes para o mar.

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Passear pelos arredores da Opera House; pegar o ferry até Manly para ver o skyline da metrópole do mar; e bater perna pela George Street são programas obrigatórios.

Mas o melhor está em bairros descolados, como Surry Hills e Newtown, onde antigos casarões vitorianos abrigam bares, galerias, lojas de design e restaurantes para dar a volta ao mundo. Nas cozinhas, o sushi é feito por um japonês, o phad thai é preparado por um tailandês e a moussaka sai da forma de uma senhora grega.

Segundo uma pesquisa feita pelo governo de Nova Gales do Sul, em 2013, 38% dos 4,3 milhões de habitantes da maior cidade da Austrália nasceram no exterior, e mais de 70% são filhos ou netos de estrangeiros. Cosmopolita é isso aí.

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Bondi Beach, perto de Sydney, está sempre movimentada (foto:Thinkstock)

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Melbourne tem um pezinho na Europa

No estado de Vitória, que tem Melbourne como capital, o panorama é semelhante: 46,8% da população nasceu no exterior ou é filho de estrangeiro. Considerada a cidade mais europeia da Austrália, tanto pelo clima fresco como pela arquitetura, Melbourne foi erguida a partir do século 19 com a grana dos campos de mineração, um dos pilares da economia australiana até hoje.

Dá pra sentir todo o peso desses tempos de glória nos edifícios administrativos, nas arcadas (galerias comerciais enfeitadas por lustres portentosos) e nos casarões dos bairros antigos. A biblioteca principal da cidade (State Library of Victoria) dá uma palhinha do poderio cultural de Melbourne, contraponto à potência financeira de Sydney. O edifício data de 1856, e tem átrios grandiosos, mobiliário de madeira, luminárias antigas e quilômetros de estantes de livros.

A pompa vitoriana é temperada com um quê high-tech e uma pegada alternativa. Se desse para fazer um purê de Nova York com Berlim, o resultado final seria Melbourne. Nas últimas décadas, a cidade implantou um sistema de transporte eficiente e políticas que mantiveram as moradias próximas do CBD a preços terrenais.

Se em Sydney é quase impossível para alguém de classe média morar a poucos minutos da Opera House, Melbourne é mais democrática. “Existe algo a que chamo de ‘cortina de queijo de cabra’, uma fronteira invisível, que chega a até 5 quilômetros do CBD, a partir da qual os hipsters se recusariam a morar”, brinca o especialista em demografia Bernard Salt, da consultoria KPMG.

A cidade é uma meca da street art. A ruela grafitada mais conhecida é a Hosier Lane, a passos da futurista Federation Square – o marco zero, à beira do Rio Yarra –, rodeada por ótimos centros culturais.

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Mas o bairro que encarna melhor o lado Berlim de Melbourne é Fitzroy, com seus casarões vitorianos ligeiramente decadentes ocupados por bares, lojas, galerias e cafés (cafeína, uma obsessão). Mais boêmia que Sydney, Melbourne ferve em seus rooftop bars, de preferência no Naked in the Sky, onde beldades de todas as vertentes sexuais têm presença garantida.

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Fitzroy, bairro hipster de Melbourne, tem casarões antigos e arte pelas ruas (foto: macinate/Flickr/creative commons)

Águas-vivas e perigosas

Em especial no sul do país e na região de Sydney, o vento forte torna impossível o uso do guarda-sol. Por isso, os australianos utilizam iglus parecidos com barracas de camping para se esconder do sol agressivo, já que a camada de ozônio sobre a Austrália é praticamente quase inexistente. De novembro a março, a metade norte do país é “visitada” por águas-vivas, cujos venenos podem ser mortais. O jeito é nadar de roupa de lycra especial para se proteger.

Viajando pela mais bela estrada da Austrália e por vinícolas sem frescura

A estrada mais bonita do país, Great Ocean Road, fica nos arredores de Melbourne e tem uma sequência vertiginosa de mirantes sobre falésias. Entre um e outro, o copiloto deve estar atento aos eucaliptos, em cujos galhos coalas agarradinhos balançam com o vento – e como venta.

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O clímax da viagem é avistar os Doze Apóstolos, um conjunto de formações rochosas majestosas que emerge do mar a 230 quilômetros da capital de Vitória. A cidadezinha mais estratégica para se hospedar por lá é Port Campbell.

Depois de conhecer a região, vale a pena seguir viagem por mais 600 quilômetros até Adelaide, parando nas regiões produtoras de vinho de Coonawarra (a terra do cabernet sauvignon) e McLaren Vale (reino do shiraz).

Longe do peso da tradição da Europa, os australianos são livres para fazer vinhos como bem entendem. Não há selos de denominações de origem que ditem regras rígidas. Rolha é coisa do passado – o negócio é tampinha de metal.

E, em vez de colocar a bebida num pedestal, as vinícolas vendem seus produtos direto ao público em cellar doors (lojas com espaço de degustação), em que o ambiente é informal e alegre. Onde mais você poderia encontrar uma vinícola como a Hither & Yon, de McLaren Vale, decorada com móveis de brechó e equipada até com fliperama?

Adelaide, ô! De orgânica

Com 1,3 milhão de habitantes, na Austrália Meridional, Adelaide tem fama de ser a irmã chatinha e careta de Sydney e Melbourne. Puro preconceito. A cidade é cercada dos vinhedos que produzem metade do vinho australiano.

Além do mais, está rodeada por fazendas org��nicas que fornecem matéria-prima para uma revolução gastronômica natureba que é mais forte aqui que em qualquer outro lugar do país.

Feita de quarteirões simétricos e planejados, circundada de parques e boas praias, Adelaide tem um dos festivais de artes mais badalados do país, o Adelaide Festival of Arts, no fim de fevereiro, além do melhor mercadão. O Adelaide Central Market não só é uma vitrine dos melhores produtos locais como tem uma ala asiática gigantesca.

Num golpe de sorte, ainda acabei coincidindo com um evento cool no último, o itinerante Fork on the Road, que reuniu 40 food trucks e DJs na Victoria Square, o coração da cidade. “Não faria sentido Melbourne e Sydney concentrarem toda a cena gastronômica do país. Nós somos os produtores e é natural que sejamos grandes chefs e consumidores também”, diz Rob Dean, do Burger Theory, um dos best-sellers do evento.

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Adelaide: como pode ser chata? (foto: Les Haines/Flickr/creative commons)

Nas praias de Byron Bay e Noosa, o verão dura o ano todo

Num país com tantas praias, é um mérito e tanto que Byron Bay seja uma quase unanimidade. Depois de semanas viajando por lugares pacatos na Costa Leste, foi uma alegria chegar ao pub anexo a uma antiga estação de trem e ver alguns dinossauros do rock goteando suor sobre guitarras. E dá-lhe calcanhar encardido, chinelão, cabelos lindamente embaraçados, corpos esculturais, vestidinhos made in Índia. Por que tanto amor?

Em Byron, a areia é mais fina e branca, o litoral é mais recortado, a água é mais cristalina, os morros são mais verdes. Muita gente mora ali porque optou por um estilo de vida alternativo. E a quantidade de restaurantes e cafés charmosos vem de bônus.

Guia de Byron Bay (atualizado em outubro de 2015)

Hotéis

No estilo surfe butique, o Atlantic Byron Bay é um charme de guest house, assim como a Cavvanbah. Já o Hibiscus Motel é uma boa pedida econômica.

Restaurantes

A pizza do Il Buco é uma celebridade local. Também fazem sucesso os hambúrgueres, o café da manhã e os sucos do Macs Milk Bar. Entre os vegetarianos, o favorito é o bom e barato Heart and Halo. Para badalar, aposte no japa O-Sushi.

Noosa, 300 quilômetros ao norte, é a irmã mais patricinha e um pouco mais “família” de Byron. Um rio verdinho se abre em vários canais até desembocar em Noosa Main Beach, separada de outras várias belezuras de areia por um parque nacional montanhoso recheado de mirantes e trilhas para caminhada. Há um bom break para a surfistada, e um agitinho em torno da Hastings Street, onde lojas bacanas, restaurantes estilosos e cafés se enfileiram.

Pertinho de Noosa, numa cidadezinha simpática chamada Eumundi, acontece um dos mercados mais badalados do país às quartas e aos sábados: artesanato, roupas lindas, bijuterias supercriativas, prataria e comidinhas natureba.

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Byron Bay tem um ar surfista e muito amor (foto: Richard Rydge/Flickr/creative commons)

Grande Barreira de Corais: azul é a cor mais quente

É preciso ser criativo para se dar bem na Grande Barreira de Corais. A gigante cobre uma área de cerca de 345 mil quilômetros quadrados, serpenteando por 2300 quilômetros ao longo da costa do estado australiano de Queensland.

Escolhi como base a pouquíssimo conhecida Praia de Agnes Water e, de lá, fiz um bate e volta para a Ilha Lady Musgrave, o extremo sul da barreira, que é bem menos turístico que o pedaço acessível a partir de Cairns, ao norte.

Todas as nuances de azul, do turquesa ao cobalto, se misturam na paisagem. Os corais são alucinantes.

Mas a vida em torno dos pináculos roubou a cena: tubarões-leopardo, arraias-águias gigantescas, tubarões de aleta branca, tartarugas gigantescas de várias espécies, peixes-napoleão, barracudas… Tudo isso em água a 27 graus, visibilidade de mais de 20 metros, zero correnteza, zero estresse.

Para visitar a Fraser Island, alugue um 4×4

Também nos arredores de Noosa, 140 quilômetros ao norte, Rainbow Beach é a melhor base de lançamento para visitar Fraser Island, a maior ilha de areia do mundo e um dos grandes highlights da região.

Nem tudo são dunas. Graças a um sistema de rios subterrâneos que afloram em lagos e riachos cristalinos, ela é também um caso único de ilha de areia coberta por árvores altíssimas.

Alugar um 4×4 e se aventurar rendem experiências bem mais completas e intensas do que embarcar nas excursões de um dia – em grupos grandes, elas param apenas nos pontos turísticos mais basicões.

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Mesmo com o solo arenoso, Fraser Island tem árvores enormes (foto: Master Man/Flickr/creative commons)

O Outback é inóspito, quase surreal, mas sim: ele existe

Tão singular quanto a barreira, o Outback, o deserto vermelho da Austrália, é para os fortes. No verão, a temperatura durante o dia raramente é menor que 40°C – e pode ir bem além disso.

Pele e mucosas esturricam. O pó cor de ferrugem arranha os pulmões. Nuvens de mosca ameaçam invadir todos os orifícios faciais. Se até então você ainda não tinha aberto os olhos para o poder da cultura aborígine, pense: eles vivem há milênios num lugar em que seu frágil corpinho não sobreviveria nem por um dia sem a parafernália da vida moderna.

O Outback ocupa 70% do território do país e se espalha por uma área de 5,3 milhões de quilômetros quadrados – o tamanho da Floresta Amazônica. No Parque Nacional Uluru-Kata Tjuta, a grande atração é Uluru, a pedra de 3,6 quilômetros de comprimento e 348 metros de altura que emerge na planície.

Para o povo aborígine Pitjantjatjara, o maior monólito do mundo é a mais sagrada das catedrais. Justamente por isso, é de uma atroz falta de respeito escalá-la, algo que alguns energúmenos continuam fazendo apesar dos apelos da população local.

Sua imagem é um soco no peito. Em suas paredes, milhares de anos de chuvas esculpiram formas insólitas que são, aos olhos dos pitjantjatjaras, evidências deixadas pelas entidades que criaram o Universo.

Nos desertos por onde andei, sempre tive a sensação de estar num lugar muito fora do trivial. O céu é mais azul. A paisagem tem um contorno mais nítido. Chovem estrelas. No Outback, porém, tive a sensação de passar dois dias meio fora do mundo. Por via das dúvidas, trouxe um potinho de terra vermelha na mala pra ter certeza de que foi tudo verdade.

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Majestoso, não é para menos que o Uluru é sagrado para os aborígenes. Por isso, não escale o maior monolito do planeta (foto: Richard Fisher/Flickr/creative commons)

O mito do motorhome

Há um dogma no universo viajante que diz que rodar a Austrália de forma econômica é sinônimo de alugar um motorhome/campervan. Não é bem assim. Um modelo de campervan bacaninha custa a partir de US$ 80. A esse valor é preciso somar uma média de US$ 30 a US$ 50 da taxa de estacionamento num caravan park. Acaba saindo o mesmo preço ou até mais caro do que alugar um carro (a partir de US$ 25 ao dia) e ficar hospedado num hotel básico (a partir de US$ 75). Ou seja: só vale a pena para quem viaja em turma ou em família.

Revista Viagem e Turismo — Outubro de 2015 — Edição 240

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