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Trago a pessoa amada

Simpatia, amarração, macumba, trabalho: tem gente que viaja à Itália para conhecer as origens e aproveita a desculpa para fazer uma macumbinha

Por Gisela Rao
Atualizado em 14 dez 2016, 12h03 - Publicado em 13 set 2011, 17h31

O que faz uma pessoa viajar por oito horas em um trem sujo e sem carro-restaurante de Florença até Amantea, na Calábria, quase no dedo da Bota, em uma cabine apertada e com quatro italianos na idade do lobo olhando fixamente para você? Resposta: simpatia, amarração, macumba, trabalho, como você preferir. Cansada de ficar sem amor e sem emprego, resolvi torrar o dinheiro do fundo de garantia numa viagem de volta às origens na pequenina Amantea, terra de meu avô Ricardo Rao, 310 quilômetros ao sul de Nápoles. Uma amiga bruxa deu a dica: “Chegando lá, escreva num papel o que você quer, faça um círculo e enterre. De preferência na lua crescente”.

Em Amantea, um pequeno balneário, vivem cerca de 14 mil pessoas. A cidade é lindinha, e seu maior tesouro são as casinhas do século 12 que vão surgindo colina acima em frente a um mar em três tons de azul. A piccola città, que passou pelas mãos de romanos, bizantinos, franceses e árabes, foi um porto muito visado por causa da sua posição estratégica. Nas minhas andanças, de repente surgia um palazzo, a ruína de um castelo ou um mosteiro do século 15.

Quando você chega ruiva a uma cidade onde a maioria tem cabelo preto, não tem jeito, os olhares se voltam. Logo todo mundo quis saber o que eu estava fazendo lá, e a única coisa que me vinha à cabeça era: um trabalho. Apesar de a cidade ser isolada, os moradores são atualizadíssimos. Foi a primeira vez numa viagem ao exterior que ouvi a frase “Brasil, do presidente Lula?”, e não do Ronaldinho. E foram várias vezes.

Mas, como eu tinha ido até lá com um firme propósito – e era lua crescente –, esperei um fim de tarde para realizar o “trabalho”. Decidi não fazer o círculo para não dar muita bandeira e escolhi uma árvore muito antiga (talvez a idade do meu nonno?) no alto da colina, próximo ao Convento dei Cappuccini. Fiz um buraco e enterrei ali o bilhetinho com os meus desejos mais secretos, sob as bênçãos do espírito do meu avô.

Depois de me esbaldar por três dias comendo peixes e frutos do mar baratésimos em restaurantes maravilhosos, como o Le Clarisse (Via Indipendenza, 27, 39/0982-42033), devorando buccunotti (o doce de chocolate e canela da região) e aprendendo um monte sobre a história da cidade e suas invasões, voltei para Roma e de lá para o Brasil. Duas semanas depois, eu estava recolocada no trabalho. E no amor.

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