Atualizado em janeiro de 2019
Berlim representa o novo, o antigo e o imemorial para os alemães. Enquanto as elusivas fronteiras de Alsácia, Silésia e Pomerânia embarcaram o país em guerras sórdidas, sua capital manteve a aura de bastião da alma e cultura germânicas.
Berlim reservou registros definitivos do século 20, como a tomada da cidade pelos soviéticos e o fim do regime nazista, as cinematográficas fugas da opressão comunista e, em 1989, a queda do Muro, simbolizando o fim da Guerra Fria. Entre John Kennedy declarar ser um berlinense (Ich bin ein Berliner) e Angela Merkel apontar artilharia pesada para os fanfarrões mediterrâneos, a cidade tornou-se o símbolo da Europa unificada, absorveu seus fantasmas e modernizou-se. Ou quase, já que seu tão aguardado novo aeroporto custa a decolar.
Seja como for, nestas 48 horas em Berlim você terá um roteiro com tudo isso e mais um pouco, se deparará com um ou mais tesouros vindos da Turquia, tropeçará em uma certa nostalgia marxista e rememorará capítulos cruciais de nossa história recente.
Dia 1
O local ideal para iniciar nossa jornada é aos pés do Portão de Brandemburgo. Terra de ninguém no período pós-guerra, tornou-se o principal ícone da queda da Cortina de Ferro. A imagem de jovens derrubando a marretadas o odiado muro que dividia a cidade em Oriental e Ocidental só encontraria par nos fogos de artifício junto ao portão, em celebração à unificação do país, um ano mais tarde.
Logo ao lado está o histórico edifício do parlamento alemão, o Reichstag. Casa do efêmero Império da Alemanha, foi duramente bombardeado durantes os momentos finais da II Guerra. Deixado de lado durante a cisão da cidade, só retomaria papel central com a reunificação do país e a grande reforma liderada por Norman Foster, autor de sua fantástica cúpula interior. Note que as filas para conhecer o prédio são enormes, então chegue realmente cedo.
Para conhecer um pouco mais sobre como Berlim lida com seu passado, caminhe alguns quarteirões em direção sul. No caminho você passará pelo Monumento ao Holocausto (Holocaust-Mahnmal), uma enorme e contundente sequência de estelas (placas) de concreto construída em memória aos judeus mortos sob o regime de Hitler. Não há menção às outras vitimas dos campos de concentração e outros tipos de perseguição – como os ciganos e homossexuais, mas mesmo assim é um silencioso e poderoso memorial às vítimas da intolerância.
Alguns metros à frente está uma vistosa praça que há vinte anos era cortada pelo muro, Potsdamer Platz. Palco de um furioso plano de rejuvenescimento e hoje pontilhado por edifícios vanguardistas, as únicas pistas de seu atribulado passado são fragmentos completos do Muro. Construído a partir de 1961 para impedir a “fuga” da soviética Berlim Oriental para o setor aliado – administrado no pós-guerra por França, Reino Unido e EUA, ele chegou a ter mais de 150 quilômetros de extensão, circundando todo o perímetro de Berlim Ocidental. Isso, na prática, transformou toda essa área em uma ilha do capitalismo dentro da Alemanha Oriental.
Com muitas famílias e amigos agora separados, tentativas de burlar o bloqueio começaram imediatamente, uma saga contada vivamente no Mauermuseum, o museu do muro, localizado junto ao antigo posto de controle americano, o Check Point Charlie. Se quiser ver como era o muro propriamente dito, siga em direção a rua Muhlenstrasse, onde uma seção integral de pouco mais de mil metros foi preservada. Conhecida como East Side Gallery, está coberta de grafites bem interessantes, mas hoje o local parece mais uma parede comum cheia de pichações.
Uma tarde no museu
Um pouco mais interessante é a Ilha dos Museus, a Museumsinsel, que contém uma vasta e imperdível coleção de instituições ligadas à arte. Escolher uma dentre elas é missão difícil, mas talvez o Pergamonmuseum seja aquele que podemos considerar como sendo imperdível. Dentro dele estão grandes tesouros do Oriente, como uma reprodução do portão babilônico de Ishtar e, vindos da Turquia, o Altar de Pérgamo e o Portal do Mercado de Mileto. Vale não só pela beleza das peças expostas, mas também pelos arranjos da exibição, teatralmente belos, bem ao estilo germânico.
Junto com o Pergamonmuseum, as outras instituições da Museumsinsel – Altes Museum, Neues Museum (onde está o famoso busto da esposa do faraó Akhenaton, Nefertiti), Alte Nationalgallerie e Bode Museum – estão relacionados coletivamente como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
Quando a noite cair e a sorte convier, não perca um concerto da Filarmônica de Berlim. Por décadas conduzida pelo célebre maestro Herbert von Karajan, é uma das melhores orquestras do planeta. As entradas são caras e raras, mas valem cada centavo.
Para o jantar, siga para Kreuzberg, o antigo bairro dilapidado que hoje possui uma cena gastronômica bem interessante.
Dia 2
Vale a pena começar o dia caminhando por entre belos jardins barrocos e salões de rebuscada decoração em Charlottenburg. A residência dos monarcas Hohenzollern em Berlim não é tão faustosa como Versalhes ou Schonnbrunn, mas é uma ótima forma de mostrar que a cidade tem memórias que vão além dos tempos da guerra. Reserve toda a manhã para explorar o palácio e seu parque.
Pegue agora um táxi e siga para a Kürfurstendamm, ou simplesmente Ku’damm, a grande rua do comércio berlinense. Antes da queda do muro este era “o” lugar da cidade para achar roupas de grife e acessórios bacanas. Hoje, não mais enclausurados, designers, lojistas e consumidores migraram para outros bairros, mas aqui ainda se encontram lojas, hotéis, cafés e bares interessantes. Hermès, Louis Vuitton, Prada e Chanel estão aqui para provar isto.
No extremo leste da avenida está uma igreja propositadamente deixada em frangalhos, Kaiser-Wilhelm Gedaniskirche. Bombardeada duramente no final da II Grande Guerra, foi mantida como está como um memorial sobre os horrores do conflito, tal como o Domo da Bomba, em Hiroshima.
Zooropa
Aproveite para fazer uma pausa para o almoço no restaurante Hasir Wilmersdorf. Esta rede especializada em comida turca – uma das minorias mais proeminentes da Alemanha – oferece pratos como o indefectível doner kebab, informalmente o prato mais típico de Berlim.
Próximo dali está o Kaufhaus des Westens, o popular KaDeWe, uma das maiores lojas de departamento do mundo. São nove pisos com diversas opções de compras, para homens, mulheres e crianças. Sua seção dedicada aos gourmets (e comilões, também) é tentadora.
A apenas alguns quarteirões a pé daqui está a estação de trem e metrô Zoo Banhof. Palco de muitas das ações descritas na dramática biografia Christiane F. – sobre uma adolescente que se prostituía para manter seu vicio em heroína –, é também o tema da canção Zoo Station, da banda U2. Se estiver viajando com crianças, talvez valha a pena parar por aqui para conhecer um dos melhores zoológicos da Europa.
Parada final: Berlim Alexanderplatz
Aproveitando que estamos aqui, vá à estação e pegue a linha de metrô U-2 (coincidência?) até a parada Hausvogteiplatz e dali caminhe um pouco para conhecer a praça Gendarmenmarkt. Em um arranjo interessante encontram-se aqui, de um lado, a catedral dos huguenotes (protestantes franceses perseguidos pelos católicos em sua terra natal), Französische Dom, e, do outro, a Deutsche Dom, a igreja dos alemães. Entre elas está o Konzerthaus, a resposta do Leste para a Filarmônica ocidental. De quando em quando esta casa é utilizada para ótimos recitais e também para eventos do Festival de Cinema de Berlim.
Tomando novamente a linha U-2 e quase anoitecendo, é hora de conhecer a praça mais famosa da cidade, Alexanderplatz. Mais famosa, mas certamente não a mais bela, é bom frisar. O jeitão comunista do pedaço é marcado pela arquitetura estéril e o relógio que marca as horas de várias partes do mundo. O local ficou famoso globalmente por conta da série televisiva homônima, dirigida por Rainer Werner Fassbinder e também como locação perfeita do filme Adeus, Lênin!, uma divertida crônica sobre o fim da era marxista.
Se olhar para o alto, você encontrará a Fernsehturm, a torre de TV que tornou-se símbolo do lado comunista. Suba até o alto da torre e instale-se em seu restaurante giratório. Em termos gastronômicos, certamente não será aqui que você experimentará seu mais espetacular prato na Alemanha, mas provavelmente a vista compensará, e muito, todo o esforço.
Se tiver mais um tempo…
Dia 3: Rume à vizinha cidade de Potsdam para conhecer o Palácio de Sanssouci, o retiro de verão de Frederico, o Grande, da Prússia.
Dia 4: Explore melhor os museus da cidade.
Dia 5: Não deixe de visitar o Tiergarten e as outras atrações do Kulturforum.