Tem gente que, quando fala em férias, logo se vê deitada numa rede, tirando uma soneca. Nossa ideia foi outra. Embarcamos numa aventura com a National Geographic Expeditions para três parques nacionais americanos: Yellowstone e Grand Teton, no estado de Wyoming, e Glacier, em Montana.
Wyoming é um dos estados mais quadrados dos EUA. Não só por votar em peso em Trump mas por suas fronteiras geometricamente desenhadas. É o décimo em tamanho e o menos populoso. Apesar de ter um povo conservador e machista, é um marco no empoderamento feminino, pois foi o primeiro estado em que as mulheres conquistaram o direito ao voto.
Aliás, as mulheres da região sempre estiveram habituadas a proteger suas propriedades na base da bala. São boas de mira, o que faz com que seus maridos pensem duas vezes antes de pular a cerca. Curiosamente, sua população de antilocapras, um pequeno e rápido antílope, é maior que a de seres humanos. Apesar disso, não têm direito a voto.
É um estado pouco conhecido, talvez devido à dificuldade de se pronunciar seu nome, “Uaiôumim”, que os mineiros entendem como “Uai, hômi?” O plano era passar alguns dias caminhando, suando, remando, tirando fotos de animais silvestres (será que veremos o urso Zé Colmeia?) e de paisagens bonitas pra matar amigos de inveja e ganhar muitos likes no Instagram e no Facebook. Afinal, não é pra isso que servem as viagens?
GRAND TETON: Amigo Urso, Saudações!
Antes de dar nossos primeiros passos na mata, um alerta. Nosso guia, Josh Mahan, nos apresentou a algo assustador: um spray antiurso que teríamos de portar o tempo todo nos nossos passeios a partir dali. Isso mesmo! Estávamos entrando numa região em que podíamos encontrar um urso. No início, ficamos excitados, logo imaginando aquela selfie épica com um parente do Zé Colmeia.
À medida que ele explicava, a excitação dava lugar a um certo medo, que podia ser confundido com pânico moderado ou cagaço extremo. Os ursos são animais extremamente agressivos. Ficar cara a cara com uma dessas criaturas pode ser uma experiência difícil de contar para os amigos que não conversam com mortos. O Grand Teton National Park, onde estávamos, não economizava sinais de “Cuidado, urso!”, “Não deixe lixo de bobeira!”, “Não largue comida pelo parque!”, “Não tente alimentar um urso!”, e outros, mais apavorantes.
Ok, não queremos mais encontrar um bichão desses, mas… E se? As instruções não foram exatamente tranquilizadoras. Primeiro, ao avistar um urso, não corra jamais. Ele interpretará como um pique e, como adora brincar, não vai sossegar enquanto não te pegar e te sacudir até transformá-lo num farrapo. A solução é ficar parado e torcer para ele te esquecer. Caso avance, se jogue no chão e se finja de morto. Se não souber fingir, não se preocupe, ele vai te ensinar.
O spray antiurso parece uma inofensiva latinha de desodorante. Caso o animal ataque, você deve lançar um jato em sua direção. A nuvem tóxica irrita o olfato do urso, que tende a se afastar. Detalhe: não funciona se ele estiver muito longe. Você só deve acionar o spray quando o animal estiver a dois segundos de te atacar. Ou seja, melhor não precisar usar esse troço, né? O fato de estar aqui, escrevendo este relato, é a prova de que esse nosso encontro não aconteceu. Adeus, selfie épica…
Enquanto fotografamos as pontudas Montanhas Rochosas, o guia nos explica que a cordilheira é jovem, mas formada por pedras antigas, elevadas pela movimentação das placas tectônicas. Avistamos Grand Teton, a montanha mais alta do parque. Descobrimos também por que ela é nua nos cumes e tem uma mata florida a seus pés. A neve que desce lava a montanha de nutrientes e os deposita na base, tornando a área mais fértil.
Você esquece tudo isso quando chega ao Lago Taggart, um espelho que reflete a mata no seu entorno e as altas montanhas, de onde descem riachos gelados. Toda essa informação não vale nada se você não tirar uma boa foto. Não é difícil, a natureza ajuda você a se sentir o melhor fotógrafo do planeta.
YELLOWSTONE: Os Primeiros Passos
Começamos com o pé direito nessa estreia no Yellowstone, numa caminhada na trilha dos índios shoshones. Depois de passar numa região sombreada por pinheiros, chegamos a um vale amplo e florido. É uma área de origem vulcânica – portanto, com solo fértil.
O ponto alto do passeio foi uma represa feita por castores. Sem concorrência fraudulenta ou superfaturamento, os pequenos animais construíram uma barragem com galhos e folhas para represar um lago e garantir fartura de vegetação aquática e alimentar suas famílias. Sua dieta é feita pela Bela Gil. Os castores bem que podiam dar consultoria para autoridades brasileiras. Espero que o intercâmbio não saia pela culatra e eles voltem ao parque mestres nas manhas das maracutaias.
Chegamos aos pontos que fazem a fama do Yellowstone, as áreas vulcânicas e seus lagos termais. O Yellowstone National Park tem mais gêiseres que qualquer outro lugar do mundo. Ali, a crosta terrestre é extremamente fina, a camada de magma passa rente à superfície, tornando o solo frágil e furado como uma peneira. Olhando em volta (com alguém explicando, claro), vemos que o Yellowstone fica no topo da megacratera de um supervulcão ativo, que foi responsável por duas das maiores erupções na história do nosso planeta.
Por toda parte, vemos piscinas superaquecidas, numa mistura de água, enxofre e outras substâncias. Em alguns pontos, um gás de odor sulfúrico toma a superfície. É um cenário de ficção científica. Se você não puder viajar a Marte, sugiro que visite as caldeiras do Yellowstone – é o que temos de mais parecido aqui na Terra. Cientistas estudam a região para pesquisar a possibilidade de vida em outros planetas. Nas beiradas das bacias termais, vemos uma coloração alaranjada por causa da formação de bactérias e de micro-organismos. Elas são estudadas na busca de medicamentos para o combate a aids e certos tipos de câncer.
Não se anime a tomar um banhozinho de ofurô. Circulamos por passarelas para evitar pisar no solo frágil e instável. Turistas descolados, que achavam caretice esse negócio de se restringir às áreas permitidas, se aventuraram mais perto das caldeiras. O solo não resistiu e eles mergulharam no líquido borbulhante. Resultado: simplesmente derreteram. Nesses casos, o turista é laureado com o prêmio Darwin, que reconhece que um idiota a menos a propagar seus genes é um avanço para a espécie humana.
O gêiser mais visitado é o Old Faithful. Todo mundo quer ver aquele jato de vapor que escapa do solo e atinge grandes alturas. Alguns gêiseres são imprevisíveis. O maior deles é o Steamboat, mas nunca se sabe quando haverá uma erupção. O Old Faithful é mais amigável. Suas erupções acontecem a cada 90 minutos e são tão pontuais quanto um trem suíço.
O turista pode se programar, dar suas voltinhas e, quando estiver chegando a hora do fenômeno, se senta a uma distância segura, prepara a câmera e aguarda. É ruidoso e tem um cheiro de enxofre, como se a Terra tivesse engolido algo estragado, não se segurou e soltou um poderoso peido molhado. O vapor atinge mais de 40 metros de altura e pode ser visto de longe.
Fizemos um deslocamento de uns 70 quilômetros pelo parque (de carro, claro!) para chegar aonde tudo começou. O Grand Canyon do Yellowstone, visto do Artist Point, é uma das paisagens mais impressionantes da América. O local ganhou esse nome depois que o pintor Thomas Moran parou naquele ponto e, boquiaberto com o carnaval de cores das escarpas, concluiu que tinha de convencer os congressistas americanos a criar ali o primeiro parque nacional do mundo. Na falta de Instagram, reproduziu o visual numa pintura e levou até Washington, DC. E não é que deu certo?
O Rio Yellowstone que vemos lá embaixo tem uma longa viagem pela frente. Deságua no Rio Missouri, que, por sua vez, forma o Mississippi, que só sossega quando descansa nas águas do Caribe, depois de atravessar todo os Estados Unidos.
GLACIER: Avalanche Nada Caída
Depois de atravessar as cidades de Big Sky, Missoula, Big Fork e Whitefish, chegamos ao Glacier National Park. De cara, uma novidade. A floresta aqui é mais densa e úmida. Ao contrário das demais, que são monotemáticas com seus pinheiros e aparentados, aqui vemos algo semelhante às nossas rainforests. É uma região cortada por muitos rios e de solo rico e fertilizantes naturais, resultando numa vegetação variada.
A trilha de 10 quilômetros tem o mesmo nome do lago, Avalanche, fenômeno muito comum por ali. No inverno, as montanhas ficam cobertas de neve. A geografia acidentada favorece o fenômeno, que pode ser provocado até por um inocente cabrito montanhês. Um passo em falso e o bicho rola ladeira abaixo, formando aquela bola de neve de desenho animado. A diferença é que o cabrito não sobrevive. Os lobos agradecem: podem comer carne fresquinha sem precisar caçar.
O Avalanche Lake é uma das centenas de lagoas do parque, formadas pelo derretimento dos glaciares. A água, portanto, é bem gelada. Se você é dos que não resistem a um mergulhinho, se liga! Mesmo num dia quente, você pode sofrer uma violenta hipotermia e virar um picolé brazuca.
Fomos levados ao lado leste do Glacier National Park, mais especificamente, à magnífica trilha do Saint Mary Lake. Depois de um passeio de barco pelo lago, chegamos a um pequeno porto, por onde descemos para caminhar 2,5 quilômetros até a cachoeira de mesmo nome. Uma paisagem espetacular. Margeamos o lago azul cercado por montanhas altas com neve permanente pelo meio de um bosque, marcado por troncos de árvores queimadas.
Aqui, aprendemos que nem sempre um incêndio na mata é mau negócio. Nesse caso, a queimada fertiliza o solo e turbina o crescimento de um jardim florido, que contrasta com os troncos negros e as águas esverdeadas do lago. A cor que vemos na lagoa é uma ilusão criada pelas partículas minerais desprendidas das rochas, como ferro e cobre, além do líquen formado por bactérias em suspensão nas águas.
Pra fechar a aventura, um passeio de ônibus pela estrada mais panorâmica da América: a Going-to-the-Sun Road. A cada curva, uma paisagem espetacular. Atravessamos de leste a oeste por Logan Pass, ponto culminante da estrada, por onde passa a Continental Divide – a divisão continental, em que os rios que ali nascem escolhem se vão para o oeste, e desaguar no Pacífico, ou se põem a mochila nas costas e atravessam os “Stêites” até o Caribe. No Glacier, também tem a Triple Divide, em que rios rebeldes preferem rumar para o Ártico.
Um triste alerta: o aquecimento global está acabando com as geleiras. As fotos do início do século 20 e as atuais evidenciam o problema. Quem acha que é lenda urbana deveria dar um pulo até lá. A previsão é de que, em 2030, não exista mais neve permanente naquelas montanhas. Cientistas concordam que a Terra passa por fases mais quentes e outras mais frias, mas nunca os ciclos foram tão curtos. Desde a Revolução Industrial, a urbanização e o aumento da população, nossa casa se aquece num ritmo assustadoramente veloz.
Espero que a gente faça algo pra reverter essa tendência. Afinal, 2030 é logo ali, e eu quero voltar a esse lugar incrível.
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