Chicago: Al Capone, Obama, Kapoor e os passeios fantásticos
Chicago Rules. Um lago com 30 praias, os arranha-céus, o blues, as compras. E a tradição de ter feito tudo antes – da roda-gigante à pipoca com amendoim.
A bandeira de Chicago é azul e tem quatro estrelas vermelhas. Mas deveria ter cinco, como tudo o que é muito, muito, muito bom. Chicago não é só nome de banda e de musical, é também um ótimo destino, uma cidade deliciosa, especialmente de abril a setembro, na primavera e no verão. As ruas são limpas e seguras; seu plano urbanístico e o desenho de seus prédios, belíssimos; as pessoas, supergentis; e a vida cultural é tão vibrante que eu adoraria ser zumbi para não precisar dormir à noite e aproveitar tudo o que tem a terceira maior cidade americana, com 7,5 milhões de habitantes em sua região metropolitana (maiores, nos Estados Unidos, apenas Nova York e Los Angeles). Foi paixão à primeira vista, mesmo eu sendo louca por Nova York e mesmo tendo de aguentar o surto do fotógrafo quando a mulher dele ligou do Brasil para dizer que seu iguana havia morrido.
Apesar de tanta coisa boa em Chicago, vou começar pelas não tão boas (e não é a morte do iguana) coisas de que todo mundo se lembra quando o nome da cidade é citado. Primeiro, o incêndio de 1871, causado por uma vaca que chutou um lampião e destruiu mais da metade da cidade, deixando cerca de 100 mil pessoas desabrigadas. E, segundo, os tempos do mafioso Al Capone, que fez de gato e sapato Chicago nos anos 1920, época da Lei Seca, corrompendo políticos, policiais e matando seus desafetos. Mas, como tudo nesta vida tem os lados A e B, o “bom” do incêndio foi que, para reconstruir a cidade, grandes arquitetos do mundo inteiro, como Daniel Burnham, William Jenney e, mais tarde, Louis Sullivan, Frank Lloyd Wright e Mies van der Rohe, se juntaram para criar um plano urbanístico muito sofisticado, com alguns dos prédios e parques mais bonitos do mundo, caso do Millennium Park. A prosperidade econômica que se seguiu fez o resto. Quanto ao legado de Al Capone, pode-se dizer que hoje ele está em Hollywood. Em Chicago, o atual prefeito, Richard Daley, não quer saber de memórias mafiosas. Tanto que mandou demolir o famoso Lexington Hotel, onde o capo de tutti capi costumava fazer a festa com seus aspones e sua seleção de prostitutas. Agora, para ver o hotel, que costumava atrair filas de turistas, só alugando o filme Os Intocáveis, de Brian De Palma. Ou visitando os pontos preferidos dos mafiosos durante a Lei Seca no chamado Gangster Tour – não conte ao prefeito onde você leu sobre isso.
Nos últimos anos, Chicago voltou à cena por ser a cidade da qual veio o senador e agora presidente americano Barack Obama. Em junho, BO deu uma “canja” e foi a Chicago para assistir ao jogo do time de beisebol do coração, o White Sox. Ah, sim, a candidatura frustrada à sede das Olimpíadas de 2016, mesmo com o lobby presidencial, é passado.
Cheiro de cebola
Batizada pelos índios otawatomis, que moravam na região, Chicago tanto pode significar “poderosa”, “grande”, “forte” como “cheiro de cebola”. Mas aquilo em que todos concordam sobre o lugar é que é a cidade dos “first”. Foi lá que, entre várias inovações, surgiram a primeira roda-gigante (em 1893), o primeiro McDonald’s franqueado do mundo (no subúrbio de Des Plaines) e a Cracker Jack, uma pipoca caramelada com amendoim, delírio dos americanos. Foi lá também que nasceu Jane Addams, a primeira americana a ganhar um Prêmio Nobel da Paz, em 1931.
Pode-se dizer, portanto, que a cidade tem tradição em vanguarda. E a gente esbarra nela. Seja na muralha de vidro do megaedifício 333 Wacker Drive, um dos cartões-postais da cidade, que reflete o Rio Chicago, seja na magnífica escultura do indiano Anish Kapoor (a Cloud Gate), no Millennium Park, ou no louquíssimo trabalho de Tony Fitzpatrick, um dos grandes artistas contemporâneos da cidade, que me recebeu para uma entrevista. Tony é conhecido por declarar amor e ódio à terrinha em forma de pequenas figuras coladas pacientemente em seus trabalhos, muitos deles na coleção do Art Institute. “Amo e odeio Chicago”, disse-me ele. “Detesto o complexo de inferioridade diante de Nova York”, começou. “Mas temos aqui um lindo skyline, a melhor Sinfônica dos Estados Unidos, as melhores garotas e o melhor bife do país, o do Gene & Georgetti Restaurant.” Ele também citou o blues, ritmo de Chicago por excelência, e os teatros – “onde você nunca verá peças estúpidas com gatos cantantes e deprimidos”.
Arte em Chicago é coisa séria. São cerca de 6 mil esculturas públicas pela cidade, e eu me vi como uma daquelas bolinhas que ajudam a marcar as sílabas das canções infantis “ticando” um Picasso aqui, um Miró acolá, um Chagall na outra esquina. Se é assim nas ruas, imagine nos museus. O Art Institute, por exemplo, tem acervo de 300 mil peças. Trata-se de uma das maiores coleções de impressionistas do mundo. Seu magnífico edifício, guardado por dois leões de pedra, foi construído em 1893. Não deixe de ver a famosa Nighthawks, a mais famosa tela do americano Edward Hopper – aquela que mostra, da visão da rua, três clientes e um atendente meio desolados num diner de Manhattan. Aliás, não deixe de ver nada.
Segundo a lenda, também foi Chicago que inspirou Gotham City, vulgo lar, doce lar de Batman, o homem-morcego. Tanto é que o filme Batman Begins, de Christopher Nolan, é rodado quase todo lá. Uma das primeiras coisas que você vai perceber quando o seu avião pousar é que se trata de uma cidade de altos e baixos, no melhor dos sentidos. Se olhar para cima – e é impossível não fazer isso –, verá os trens ao ar livre (apelidados de “El”, contração de “elevador”) que correm para lá e para cá, desenhando uma espécie de loop. E, se girar a cabeça 360 graus, irá contemplar um mar de edifícios que não arranham, mas furam o céu.
Muito em razão daquele renascimento após o incêndio provocado pela vaca desastrada, Chicago tornou-se meca da arquitetura moderna mundial. Os prédios são sofisticados, pontudos, lindos. Se você quiser uma vista grandiosa, sugiro que se aventure pelo elevador lotado do John Hancock Center, que percorre 98 andares em 39 segundos. Pelo bem do jornalismo, até esta claustrofóbica que vos escreve o enfrentou. Ou seja, vale a pena. Lá no topo, a gente tem a opção de contemplar a vista com uma taça, no bar, ou a seco, no observatório. Venta pacas, mas não é preciso estar no alto para entender por que Chicago é a windy city (em tradução estrita, “cidade em que venta como o diabo”). Mas, já que você está lá, prepare-se para ficar de queixo caído com a beleza do Lago Michigan, e de suas 30 praias artificiais e do cristalino Rio Chicago, cortadinho por 52 pontes móveis e lar de 60 espécies de peixes, incluindo a truta e o salmão.
De cima a gente nem imagina, mas é também no subterrâneo de Chicago que surgem lugares fascinantes. Como o restaurante Billy Goat Tavern, onde Hillary e Bill Clinton devoram o melhor hambúrguer da cidade, segundo eles mesmos. E não se preocupe: quando você desistir de procurar o Billy Goat, você o encontra. Sua entrada é um buraco que lembra uma estação de metrô na Michigan Avenue, em frente ao Chicago Tribune. Aliás, não deixe de ver o prédio desse famoso jornal bem de perto. Foi o Tribune que, logo depois do incêndio da vaca, cravou em manchete: “Chicago renascerá!” Mas, voltando ao prédio, além de ser belíssimo, em seu estilo neogótico, ele é todo feito de pedras de construções do mundo inteiro: do Kremlin, em Moscou, até a residência do papa, no Vaticano. É divertido ficar atracado às paredes do edifício tentando descobrir de onde vêm aquelas relíquias.
Chicago é de desesperar pela quantidade de bons restaurantes. Para os insiders, o negócio é juntar “tradição e modernidade” – e isso não é nome de bienal. Das costelinhas de porco e do frango frito do velho Twin Anchors, frequentado por Frank Sinatra nos anos 1950, ao Alinea, o melhor restaurante americano e o sétimo de todo o mundo, segundo a lista da revista inglesa Restaurant – aquela mesma em que o D.O.M., de Alex Atala, aparece em 18º lugar –, vale combinar a old e a new school.
Mas vá com calma no cartão, já que será difícil você não empregá-lo depois (ou antes) numas comprinhas, que na cidade correm soltas. A brasileira Shenia Decker, de 37 anos, há 18 em Chicago, recorda que a Michigan Avenue, a Magnificent Mile, “lembra muito a Quinta Avenida de Nova York”. E é difícil escapar da comparação. São três shoppings divinos, o Water Tower Place, o 900 Shops Mall e o The Shops at North Bridge. E marcas como Gap, Banana Republic, Ann Taylor, Apple, Disney, Colehaan, Ermegildo Zegna. Essas grifes, mais baratas, também estão no Chicago Premium Outlets, com 120 lojas. É bem longe, a uma hora do centro da cidade, viajando na direção oeste. “Mas vale a pena rodar tanto para encontrar, por exemplo, um casaco de frio maravilhoso da Calvin Klein por menos de US$ 100”, diz Shenia.
Comprando ou não, comendo nos lugares estrelados ou nos pitorescos, tente achar tempo para algo essencial: praticar o nada. Foi o que me recomendou Loira McClure, de 49 anos, americana com jeito de mãe de seriado de tarde de sábado e guia turística independente. “Em Chicago, nada melhor para isso do que o Navy Pier, à beira do Lago Michigan. “Ali dá para passear de barco, a motor ou não, de triciclo e ver os fogos de artifício à noite, num lance meio Disneylândia, depois de um giro no carrossel.” Se a dica é da Loira, eu definitivamente consideraria. Foi ela que me apresentou o melhor bolo de chocolate do mundo e, em função disso, terá minha bênção eterna.