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Porque você tem que ir para Cuba agora

Por Laura Capanema
19 dez 2014, 19h48
Rua-de-Havana-Cuba
Rua-de-Havana-Cuba (/)
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Uma pausa nos textos asiáticos por uma razão muito pertinente: desde que o presidente Barack Obama pegou todo mundo de surpresa anunciando uma reaproximação com Cuba, no dia 17 de dezembro, três amigas me procuraram para pedir dicas cubanas “urgentes”, dizendo “que queriam ir o mais rápido possível para lá”.

Que bom! Se a ilha só tem a ganhar com a certeza de que o fim do embargo está cada vez mais próximo, os turistas (principalmente os americanos) também vão sair no lucro. De fato, vai ser mais fácil do que nunca conseguir o visto, voar, se conectar à internet (atééé que enfim) e gastar dólares (!) por lá. Por outro lado, a ilha, tão única e especial exatamente por seu isolamento de décadas, vai mudar, e muito rápido. Já está mudando, né… (quem foi nos últimos cinco anos sabe bem que as coisas já não são mais como antigamente, e que tudo tem ficado ligeiramente mais… capitalista).
E seja qual for a sua ideologia, essa nem é a questão. É que o mundo, você sabe, tá ficando cada vez mais igual. E padronizado.
Zzzzz…

Então, se a Cuba de ontem mora dentro do seu imaginário de viajante, saiba que você tem que ir mesmo. E logo.

(Que seja para reclamar depois. O.K., é muito claro que o país não agrada a todos, exatamente pelos desdobramentos de sua condição tão particular. Mas se você não amar e nem se divertir, no mínimo alguma coisa ali vai mexer com a sua visão de mundo, com a sua experiência na terra, com as suas referências de vida).

Um cena clássica

Com 11 milhões de habitantes, a maior ilha do Caribe é carregada de memórias de uma história extramente particular

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Em Cuba, a beleza sedutora divide espaço com a decadência, a iconografia revolucionária, a história mantida em compota. As fachadas, muitas aos pedaços, misturam art déco, art nouveau e barroco na mesma ruela. A impressão é que tudo ali já vem, naturalmente, com um filtro do Instagram. E o clima em geral, sem trânsito pesado, poluição, letreiros de LED, excesso de comércio, violência e etc, faz com que todos os dias pareçam domingo. E a sensação de estar lá é, sem dúvida, diferente de tudo que você sentirá em qualquer outro lugar do planeta. Mesmo.

cuba movimento

Os carros cubanos são uma atração à parte

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No ano passado, eu passei 20 dias de férias em Cuba. A viagem foi toda feita em câmera lenta: uma semana inteira em Havana e outros bons dias em outros cantos do país (Vinales, Trinidad, Santa Clara), com uma bela praia caribenha no final (Cayo Guillermo). Não conheci tudo o que queria, mas deu pra ter uma experiência um tanto quanto profunda. Durante todos esses dias, andamos horrores e reviramos as cidades do avesso, principalmente Havana (e descobrimos vários cantinhos legais e fora dos guias bombados de turismo, o que nos fez amá-la ainda mais). A viagem virou matéria, um e-mail gigante cheio de dicas (que sempre encaminho para os amigos que estão indo para lá) e um material fotográfico intenso (com algumas amostras aqui).

El Malecón: romântica, e melancólica, como ela é, em um fim de tarde nubladão

El Malecón como ele é: romântico, estranho e melancólico, em um fim de tarde nubladão

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Diante dessa “urgência” coletiva de se jogar na ilha, achei válido compartilhar um pouco do que eu gosto de repassar para os amigos.

Segue abaixo um pedacinho (bem “inho”) daquele e-mailzão que tenho guardado. E quem quiser saber ainda mais detalhes, e ter mais dicas de lugarzinhos que amamos, pode, de verdade, me escrever um e-mail.
(laura.capanema@abril.com.br)
:)

Cuba 5
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“Ser culto é a única maneira de ser livre” <3


Quando ir?

A melhor época para visitar a ilha é durante a estação seca, entre novembro e abril. Nos outros meses costuma chover muito, e entre agosto e outubro há riscos de furacões.
(eu fui em junho e peguei muita chuva. Muita mesmo, leia-se dias inteiros de chuva. Mas, como fiquei 20 dias, não chegou a atrapalhar a viagem. Mas se pudesse escolher teria ido em outra época).

Como funciona essa história de duas moedas diferentes no mesmo país?
Pois é. Na verdade, o câmbio duplo está com os dias contados. O governo anunciou no ano passado o início de um lento processo de unificação das moedas. É mais uma mudança desde que Raúl Castro assumiu o país, em 2006.
(parêntese histórico: o irmão de Fidel também autorizou mais 181 categorias de cuentapropismo, o trabalho autônomo, entre tantas outras medidas capitalistas).
A história dos dinheiros diferentes, o CUC (peso cubano conversível) e o peso cubano, surgiu nos anos 90, quando o colapso da União Soviética, que doava para a ilha milhões em dinheiro e mantimentos, trouxe fome e blecautes de 16 horas. A situação ficou insustentável e o governo reagiu afrouxando o controle e franqueando a ilha ao turismo. E foi assim que nasceu o CUC, que é equivalente ao dólar, porque jamais seria aceitável receber a moeda americana por lá, ao contrário do que é feito em quase todas as outras ilhas do Caribe.
Em seu significado mais prático, o CUC pode comprar tudo que é ligado ao estrangeiro: passeios turísticos, hospedagens, noites de Buena Vista Social Club. Os cubanos recebem salários em outra moeda, o peso cubano, que vale 24 vezes menos. Ou seja, os locais só podem entrar no universo paralelo do turista se juntarem alguns CUCs (e por isso eles estão em todos os cantos pedindo dinheiro, se oferecendo como motoristas de bici-táxi, abrindo suas casas para vocês dormirem e comerem, e fazendo qualquer coisa que faça alguém pagá-los em uma moeda que vale muito mais do que a que eles recebem do governo. Pã!).

Levo real, dólar ou euro?
Dólar jamais, pois a taxa de câmbio para troca é altíssima (se bem que com o anúncio do Obama isso não deve mais durar muito…). Mas, enfim, real também não faz sentido. Leve euro, sempre. E troque por CUC em qualquer casa de câmbio, não faz diferença se é no aeroporto ou no meio da cidade, afinal, eles são, ou eram, socialistas, e essa história de lucro não existia. Qualquer turista também pode trocar CUCs por pesos cubanos se quiser comprar alguma coisa na moeda local, como os sorvetes de casquinha das banquinhas de rua.

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Cada porta cubana é a entrada para um mundo de descobertas


Não tem internet mesmo?

Não. Internet como você tá acostumado a usar, por todos os cantos, não mesmo. Cuba tem a menor taxa de internet das Américas e uma parcela mínima da população tem autorização para ter em casa. Em alguns hotéis há conexão discada por preços altíssimos (lembro que cheguei a pagar 10 CUCs, ou seja, 10 dólares, por uma hora leeeenta). O que eu percebi foi que os cubanos usavam muito o bluetooth dos smartphones. Pois é, a tecnologia de transmissão de dados por ondas de rádio de baixa potência, desprezada na maior parte do planeta com a popularização do 3G, era sucesso total por lá. E era assim que chegavam grande parte dos vídeos, músicas, séries de TV e novelas brasileiras completas. Não sei como está a coisa agora, mas imagino que tenha mudado pouco. Ainda.

Onde ficar?
A experiência cubana mais genuína, mais Cuba na veia, é, claro, nas casas particulares. Essa prática é totalmente difundida por lá, e nasceu daquela necessidade dos cubanos de conseguir ganhar um dinheirinho “extra” com o turismo. Eu aluguei um ótimo quarto em uma pensão em Havana pelo site Casa Particular Cuba. Mas há também opções no Casa Particular  e Cubacommodation. Tudo indica que são todos confiáveis, e pelo site mesmo dá pra selecionar um cantinho de acordo com suas necessidades: com ou sem ar condicionado, chuveiro quente, café da manhã e etc. Em todo caso, se você não curtir a sua casa, dá para mudar fácil. Uma voltinha no centro de Havana Vieja já dá pra ver zilhões de placas de “Aluga-se”.
Mas se quiser mais conforto e tranquilidade, vale investir em um hotel, claaaro. Há vários clássicos do tempo em que Havana era a meca dos jogos e de tudo que Miami não tinha, como o Hotel Nacional, que já hospedou Churchill e Sinatra; e o Santa Isabel, que tem uma bela vista para a Praça das Armas. Mais econômico, com uma média de diária de 70 CUCs, é o Los Frailes, que fica num casarão simpático e superbem localizado.

Onde Comer?
Nos paladares! Eles funcionam na mesma lógica da casa particular. Mas não espere se emocionar com a comida – um ditado diz que “as três maiores virtudes da Revolução são a saúde, a educação e o esporte; e as maiores perdas, o café da manhã, o almoço e o jantar”. Pois bem: anos de embargo empobreceram a culinária criolla local, hoje uma versão resumida da gastronomia de outros Caribes. Mas não perca por nada o excepcional La Guarida, que funciona desde 1996 e, apesar da fama (tem fotos do Lula, astros mil de Hollywood e até do Jimmy Page nas paredes), e de ter sido locação do filme Morango e Chocolate, fica em um prédio caindo aos pedaços e tem a maior cara de “achado”. Mais dicas: o Dona Eutímia e o boteco La Bodeguita del Medio, outro clássico e com música ao vivo, e o El Floridita, onde Hemingway, que teve uma relação de amor e álcool com Cuba, tomava seus daiquiris.

Onde ir em Havana?
A região de Havana Vieja, Patrimônio Mundial desde 1982, está em restauração (é comum tropeçar em tijolos), e o grande barato é visita-la a pé até o Malecón, calçadão onde todos se encontram para conversar, namorar e refrescar-se com as ondas que batem nas pedras e espirram jatos d’água.
O tour-obrigatório do turista clássico passa pelo Museu da Revolução, que guarda roupas manchadas de sangue dos guerrilheiros e exibe o orgulho revolucionário no Mural dos Cretinos, onde Bush pai e Bush filho, Ronald Reagan e o ex-ditador Fulgêncio Batista são hostilizados com um “Obrigado, cretinos, por nos deixar fazer a Revolução”. Para degustar charutos, vá à Fábrica Partagás, para aprender sobre runs, no Museu do Rum. No mais, a lista é imensa. Ande bastante por toda Havana Vieja, descubra cantinhos e paladares, e vá entrando nos museus menores que aparecerem pelo caminho. O bairro tem quatro praças principais e todas elas são imperdíveis. Tem que ir em Vedado também, e uma dica boa é pedir para um motorista local te levar para outros bairros não-turísticos por um preço fechado por hora.

Onde mais viajar no país?
Viñales, Cayo Coco, Cayo Guillermo, Cayo Largo, Trinidad, Santiago de Cuba, Santa Clara, Baracoa… depende de quanto tempo você tem disponível e quais os focos da viagem. Mas Havana é Havana. Se tiver só uma semana, fique por lá. :)

cubanas

Charuto: uma instituição cubana

 

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Havana e suas casas semi-reformadas

Por fim, vou deixar aqui o parágrafo final da matéria que escrevi para a Viagem e Turismo, e que resume bem o espírito da coisa:

Cuba, segundo Cristóvão Colombo, é o lugar mais lindo da Terra. Mas tem uma história dura demais, e às vezes é difícil traduzi-la como um lugar feliz. Não me esqueço da placa no caminho do aeroporto de Havana: “Hoje 200 milhões de crianças vão dormir na rua. Nenhuma delas é cubana”.
São essas contradições que nos deixam desconcertados. Seja como for, a Ilha é única. E tem os cubanos, que não estão no Facebook e raramente têm e-mail. Ou seja, tem de ir lá para conversar com eles.

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