Como outras localidades colombianas, Santa Marta, capital do estado de Magdalena, é resiliente e, nos últimos 20 anos, fez a violência e o narcotráfico darem lugar a um renascimento urbano, que trouxe hotéis, restaurantes, bares e casas noturnas.
Costeira, mais pé no chão que a quase vizinha Cartagena, a 220 quilômetros, a cidade de 450 mil habitantes também conta várias camadas da história do país.
Curiosidades: é o primeiro município fundado por lá, em 1525, deu ao mundo Carlos Valderrama, ex-craque da seleção local muito lembrado por seus atributos capilares, além de outro Carlos, o Vives, cantante que também é um ídolo latino.
Tudo acontece no centro histórico, onde as ruas são estreitas e o casario é ora pintadinho e arrumado, ora levemente decrépito e zoneado. O point é o Parque de los Novios, uma praça com casais colombianos agarrados em bancos (como sugere o nome), jardins bem cuidados, um coreto e o Palácio de Justiça da cidade.
Em uma de suas laterais fica a Carrera 3, uma viela fechada para carros que é inundada por mesinhas de restaurantes e bares de noite. Gringos abonados traçam frutos do mar fresquíssimos no grego Ouzo, enquanto jovens pedem hambúrgueres gourmet na Radio Burguer, instalada numa antiga estação de frequência modulada.
Mais adiante, o Lamart propõe várias receitas de ceviche, e a La Muzzeria serve pizzas numa ambientação descolada, com quadros de pop art e objetos de antiquário. Rolam ainda umas baladinhas como o Comodoro, com música eletrônica no segundo andar e uma refrescante limonada de yerbabuena (hortelã).
Complemente o passeio com uma ida ao próximo Museo del Oro Tayrona, inaugurado ali no fim de 2014. Suas quatro salas exploram tanto peças de ouro produzidas por comunidades indígenas pré-hispânicas quanto a história social da região, passando pela presença de Simón Bolívar na cidade.
Convém saber mais sobre El Libertator, Bolívar, na Quinta de San Pedro Alejandrino, a 6 quilômetros do centro histórico. Foi nessa fazenda que o político e militar venezuelano morreu, em 1830; Bolívar pretendia pegar um barco e ir à Europa para se tratar da tuberculose, mas acabou se hospedando nessa propriedade de um poderoso fazendeiro local e se foi depois de 11 dias.
Entre árvores centenárias frondosas e antigos galpões de moagem de cana, o lugar mostra parte dos móveis da época e abriga também o Museo Bolivariano de Arte Contemporáneo, que tem mostras permanentes e temporárias de artistas latinos.
Mas eis que Santa Marta guarda história bem mais antiga na Ciudade Perdida, ou Parque Arqueológico Teyuna – uma antiga cidade, do ano 1000, antes habitada pelo povo Tayrona, que deu origem a outros grupos indígenas que ainda vivem na Colômbia.
O sítio arqueológico, onde figuram antigos terraços usados para plantio, muros e escadarias de pedra, só pode ser alcançado em um trekking de cinco dias, um dos mais procurados do continente, no qual você caminhada à sombra dos picos nevados de mais de 5 mil metros, nessa que é a maior cadeira montanhosa litorânea do mundo.
E logo ali fica Tayrona… o Caribe virgem
O parque mais especial do país conserva o Caribe como ele veio ao mundo. Difícil conceber uma reunião tão irresistível de elementos naturais como a que há no Parque Nacional Tayrona: são 15 mil hectares de vegetação, entre mangue, restinga, bosque árido cheio de cactos e floresta tropical densa, que vão do nível do mar a montanhas de quase mil metros.
Uma série de baías forma praias com água turquesa, transparente em alguns pontos, escura e selvagem em outros. Incomum no Mar do Caribe, um Éden preservado onde impera a natureza.
Hospedado em Santa Marta ou dali a 5 quilômetros, na vila de Taganga, é possível conhecer o Tayrona em um bate e volta, com passeios de barco que vão direto às 29 praias ou táxis que levam por terra a uma das três entradas do parque.
Se for o seu caso, reserve um dia para ir à bela Playa Crystal (a partir da portaria Mamatoco), com águas clarinhas com recifes de corais e peixes coloridos. São muito comuns também as excursões diárias de birdwatching, nas quais ingleses e franceses com roupas de safári e lentes poderosas espreitam tucanos e os endêmicos quetzais entre a vegetação.
Mas só compreende melhor o lugar quem se permite passar uma noite no Tayrona. No núcleo da entrada El Zaino há hospedagens. Só um hotel propriamente dito, o Ecohabs Tayrona, e cabanas de madeira, barracas de camping e redários.
Um esforço genuíno de conservação veta aos 300 mil visitantes anuais entrar com saco plástico, isopor, álcool e prancha de surfe. E vá se preparando para o possível baculejo na sua mala.
Num lapso de desapego, escolhi dormir numa rede no alto de um morrinho em Cabo San Juan del Guia, praia de água multitons com restaurantes que servem peixes recém-pescados e banheiros bem rústicos.
Passei dois dias me embrenhando por pequenas trilhas que margeiam a costa para encontrar mais faixas de areia, como a calminha La Piscina, a arredia Arrecifes e a nudista Boca del Saco, que, ao menos em minha visita, não atraiu vivalma pelada.
Um trekking maior vai ao sítio arqueológico de Pueblito, com ruínas de terraços de cultivo e canais do antigo povo Tayrona. De noite, o pessoal, que variava entre casais argentinos e mochileiros israelenses, compartilhava aquela distância momentânea de sinal de celular e carteava com uma cervejinha contrabandeada pelo próprio restaurante.
Quando o breu da noite vinha, só com lanterna para voltar às “acomodações”. Dormi embrulhada numa toalha para me proteger do vento e acordei com o espetacular sol a nascer sobre aquele Caribe virgem.
Texto publicado na edição 257 da revista Viagem e Turismo (março/2017)