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Moçambique é nossa praia

As novelas são da Globo, a língua é portuguesa, e a comida tem mandioca e pimenta. Moçambique tem uma parte de Brasil e outras tantas de África

Por Luana Dias
Atualizado em 7 mar 2017, 19h58 - Publicado em 2 Maio 2013, 14h01

“Gente, ela mora na África!” Perdi as contas de quantas vezes ouvi a fase cada vez que retornava ao Brasil para ver a família. Sim, eu vivi em Moçambique, o país africano banhado pelo Índico que fala português como o Brasil e, também como o Brasil, tem muitas praias e florestas – além de savanas, safáris e uma riqueza cultural notável. Moçambique se estende por uma área do tamanho dos estados de Minas Gerais e Paraná juntos e é habitado por 23 milhões de pessoas. O afeto pelo Brasil é grande: lá são exibidas novelas da Globo, o futebol (ainda) é apreciado, e Roberto Carlos, Daniel, Roberta Miranda e Zeca Pagodinho são populares. Mas agora o nosso país marca presença também nos negócios, especialmente em setores como extração mineral e construção civil. Como em Angola, a descolonização nos anos 1970 foi sangrenta, seguida de uma guerra civil que matou 1 milhão de pessoas. A paz só foi assinada em 1992, inaugurando uma era de democracia e busca pelo desenvolvimento.

Pelas ruas é comum ouvir o português misturar-se ao changana, tsonga, tchope, bitonga, macua e às mais de 30 línguas maternas nacionais. Se essa fusão linguística é comum na África, a estabilidade social e política, a segurança e a tranquilidade são diferenciais moçambicanos. A capital, Maputo, tem, à maneira de Lisboa, sua própria “Baixa”. Ali, prédios com fachadas sofridas disputam a paisagem com monumentos e os novos edifícios corporativos. Para conhecer a região, prepare-se para uma boa caminhada, podendo começá-la pela belíssima estação de trem dos Caminhos de Ferro, do início do século 20 e que ainda guarda os arcos concebidos por Gustave Eiffel. Ainda na Baixa, vale conhecer a Mesquita Antiga, que ostenta uma bela fachada com arcos árabes, restaurada recentemente. Ela é bastante visitada em um país em que um quinto da população é muçulmano; vale também entrar na Casa do Elefante, tradicional loja de capulanas (lindas cangas utilizadas pelas moçambicanas), e na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição. Aí, é continuar subindo a Rua Samora Machel até chegar à Praça da Independência, onde estão a Catedral e uma imponente estátua de 9 metros de altura do ex-presidente Samora, herói da independência. Dos museus, o mais interessante é o de História Natural, com sua coleção única de fetos de elefante do primeiro até o 22º mês de gestação. Termine o dia admirando o pôr do sol no Jardim dos Namorados, lugar preferido das fotos dos recém-casados, com vista privilegiada do Índico.

Moçambique tem 2 500 quilômetros de praias, mas é compreensível que você queira, recém-chegado a Maputo, colocar logo os pés no mar. Nesse caso, considere um passeio ao longo da Costa do Sol, fazendo uma pausa para comer um frango ou peixe na brasa feito pelas mamanas, como são chamadas as matriarcas que trabalham duro no país. O grelhado é servido com batata fita ou xima (massa feita de farinha de milho).

Maputo está no extremo sul do país, junto à África do Sul e à Suazilândia. A 500 quilômetros ao norte da capital, a Praia do Tofo, na província de Inhambane, é um lugar silencioso e de areia bem branquinha. Com sorte, um encontro emocionante aguarda você no fundo do mar: com uma espécie rara de tubarão-baleia. Inofensivo para a gente, o bicho pode chegar a 12 metros de comprimento, e isso só se alimentando de plâncton. No mar do Tofo ainda aparece a raia manta, espécie, aliás, descoberta em Moçambique. Para os que preferem não se arriscar embaixo d’água, podem-se observar golfinhos ou aproveitar as ondas. Para recuperar as energias, vá à Casa de Comer, restaurante charmoso e tradicional com culinária moçambicana e frutos do mar frescos.

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Snorkel em Bazaruto, em Moçambique
Snorkel em Bazaruto (Divulgação)

Avançando cerca de 300 quilômetros ao norte, você chega a um dos destinos turísticos mais famosos do país, o Arquipélago de Bazaruto. Formado pelas ilhas de Bazaruto, Benguerra, Magaruque, Santa Carolina e Bangue, tem mar lindamente cristalino, atributo que já se percebe da janela do avião. Quando se toca o pé na areia, mais uma agradável surpresa: a temperatura amena faz com que um simples mergulho seja uma atividade relaxante. Todo o arquipélago recebeu grandes investimentos turísticos nos últimos dez anos, especialmente Bazaruto, que agora abriga dois grandes resorts. Da cidade pesqueira de Vilanculos partem os barcos para as ilhas. Vilanculos, como de resto boa parte do país, tem na culinária uma grande atração. Podem ser provados ali a matapa, feita com camarão e folhas de mandioca, guisados, peixes… Quase tudo com piri-piri, a pimenta local.

Pode parecer ordinário em se tratando de África, mas uma das experiências mais marcantes da minha estada no país foi um safári que fiz no Parque Nacional Kruger, uma das maiores reservas naturais do continente e com território que avança também por Moçambique. A apenas 115 quilômetros de Maputo, logo depois de atravessar para a África do Sul, está o portão Crocodile Brigde. Por lá você já consegue ver muito de perto impalas, macacos, zebras, búfalos, rinocerontes e girafas, todos livres. Foi ali que vi uma família de elefantes atravessar a estrada diante do meu carro. Um grande momento. Curiosamente, bem pertinho de Maputo, não consegui avistar nenhum elefante na Reserva do Elefante.

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Primeira capital do país, considerada pela Unesco Patrimônio da Humanidade, a Ilha de Moçambique está tão distante de Maputo quanto Maceió de São Paulo. Seu conjunto arquitetônico tem construções dos tempos das Grandes Navegações, como a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, único exemplar de prédio manuelino no país, e a Fortaleza de São Sebastião. Além disso, conta com a bela Praia de Chocas Mar, afastada da agitação da ilha. Uma das imagens emblemáticas de Moçambique vem dessa região: as mulheres com rosto coberto por uma máscara branca feita com uma raiz chamada mussiro. Tudo é artesanal: é necessário esfregar a raiz em uma pedra e adicionar água para fabricar a máscara. As moçambicanas acreditam que o preparo mantém a pele bonita e jovem.

Ainda mais ao norte, na direção da fronteira com a Tanzânia, Pemba é garantia de mais sol e de águas mornas. A Praia do Wimbie é um dos destinos mais conhecidos, com quilômetros águas límpidas. Para os amantes do kitesurfe, o ponto de encontro é na Praia Murrebue, a dez minutos da cidade. Em fente à Baía de Pemba se encontra o Arquipélago das Quirimbas, com 28 ilhas que se estendem ao longo de quase 400 quilômetros, hoje protegidas em um parque nacional marinho. O objetivo é preservar espécies como as tartarugas marinhas e os dugongos, mamíferos marinhos que lembram um peixe-boi e seguram a cria de uma maneira muito semelhante à humana.

Depois de desbravar praias, savanas e montanhas e conhecer cidades e vilarejos por todo o país, cheguei à conclusão de que o maior patrimônio de Moçambique é seu povo, respeitoso para com as diferenças e educado com os estrangeiros. Isso em uma nação que sofre com altas taxas de mortalidade infantil, analfabetismo e uma concentração de renda de padrão terceiro-mundista. Nada disso parece ser um problema insolúvel para o moçambicano e sua terra de grandes riquezas minerais e naturais

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