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Bariloche: o esqui é apenas um pretexto

Bariloche é uma das estações de esqui mais queridas entre os brasileiros. E a montanha é só uma das atrações

Por Ana Claudia Crispim
Atualizado em 11 out 2021, 22h33 - Publicado em 27 jun 2013, 12h56

Só percebi que o avião sobrevoava a Patagônia argentina quando a comissária pediu que eu endireitasse a poltrona. Eu me encontrava em outro mundo, um tanto alheia à minha missão, que começaria em instantes. Logo estaria em busca das melhores, mais emocionantes e mais belas imagens já vistas daquele pedaço de terra tão cobiçado pelos brasileiros que sonham com um inverno nevado: San Carlos de Bariloche.

Esta era a missão: fazer as paisagens lacustres, os montes nevados e os cantos fofinhos de Bariloche parecerem nas fotos tão ou mais bonitos do que já são. A imprevisível meteorologia conspirava a meu favor. Colei o rosto na janela, aumentei o som do iPod e curti o restinho de voo que me levaria à batalha ganha. Direto daquele disco famoso de capa preta, um jovem David Gilmour cantava para mim: “Breathe, breathe in the air / Don’t be afaid to care / Leave but don’t leave me / Look around and choose your own ground”.

A “superfície” que escolhi tinha um toque brasileiro. Era julho de 2012, e Bariloche era novamente Brasiloche. Um ano antes o lugar estava às moscas, derrubado pelas cinzas do vulcão Puyehue. Nos números otimistas do setor, a autoridade de turismo municipal espera para este julho 25 mil brasileiros. E outros muitos argentinos, já que Bariloche é a estação de esqui mais popular do país, procurada por famílias, casais e estudantes que celebram lá sua formatura do ensino médio.

Clique durante o Circuito Chico, em Bariloche Clique durante o Circuito Chico, em Bariloche

Clique durante o Circuito Chico, em Bariloche – Foto: Xavier Martin

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Percorri uma febril Calle Mitre, a via mais famosa do Centro. Vi as lojinhas de suvenires (ímãs de geladeira, luvas coloridas, artigos de decoração), de roupas para esqui, de artigos de couro e de chocolates lotadas. Assim como os outlets da Puma e da Lacoste. Difícil saber por onde começar. Na verdade, difícil, nada: comecei pela sobremesa, óbvio. Fui à Rapa Nui e pedi um helado de dulce de leche. Não qualquer leche, mas de ovelha. De 0 a 10, nota 9,5: o negócio beirava a perfeição. Além da Rapa Nui, ótimos e tradicionais lugares para doces e chocolates são Mamuschka, Fenoglio e Abuela.

O termômetro marcava 6 graus, e o solzinho de fim de tarde me seduzia. Máquina fotográfica em punho, saí com meu helado rumo ao lago em cujas margens a cidade surgiu. De origem glacial, o enorme Nahuel Huapi tem 550 quilômetros quadrados, somados seus braços. Espaço suficiente para a diversão do Nahuelito, o monstro que, todos sabem, vive em suas profundezas. O lago, com suas águas de tom ocre, me lembrou o Atlântico da Baía de Angra. Minutos depois, achei que já tinha a primeira das minhas desejadas fotos perfeitas.

Ao acordar no dia seguinte, o barulhinho gostoso que ouvia vindo do lado de fora do hotel soava familiar. Como acontece dez em dez vezes, a previsão do tempo falhava. Chovia. E com a chuva chegou o argentino Xavier Martin, que divide comigo as fotos desta reportagem. Fomos conhecer o Circuito Chico, como é chamado o city tour de quatro horas em torno do Lago Nahuel Huapi. Pena o céu cinza, que não ornava com a paisagem. Quando o Sol aparecia, corríamos desesperados atrás de tecos de céu azul. No táxi de volta, víamos, tristonhos, o lago cinza. Nosso motorista, Pablo, ao contrário, tinha olhos calmos e cálidos para a lâmina d’água. Ele se disse privilegiado por ter um trabalho que lhe permite observar os humores do tempo apenas pelo movimento e pelas cores do Nahuel Huapi, o lago que ama desde criança. Comentou que, em fevereiro de 2010, época do terremoto no Chile, o lago ficou verde-esmeralda, um tom jamais visto. “Hoje está azul e cinza, sinal de neve nos próximos dias.” E completou, grave: “O lago fala”.

Centro Cívico, em Bariloche Centro Cívico, em Bariloche

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Centro Cívico, em Bariloche – Foto: Ana Claudia Crispim

Foi uma lição. A partir disso, reduzi minha expectativa em relação à conjunção luz-paisagem-enquadramento. E assim acho que comecei a desfrutar bem mais do destino. Apenas um hotel estreia neste inverno, o Pioneros, do grupo Villa Huinid, bem central, mas, pensando bem, quem precisa de tantas novidades o tempo todo? Há 26 mil quartos à disposição dos turistas em Bariloche, e a visão que se tem de suas janelas muitas vezes é não menos do que obscena. A natureza que envolve o Llao Llao – o mais famoso hotel de luxo da estação, fundado há 75 anos – é magnífica, assim como a que circunda a Hosteria Los Juncos, uma casinha no mato com decoração graciosa e horta orgânica cultivada pelos donos. E a vista do ostentoso Charming Luxury Lodge, pendurado em uma encosta que chega a uma praia lacustre, não fica atrás daquela do outro lado do paredão de vidro do Design Suites, hotel-design com quartos pra lá de confortáveis. Mas meu coração balançou ao conhecer o El Casco Art Hotel. O conforto é um dos atributos das suítes, batizadas com nomes de artistas argentinos, mas são as obras de arte originais desses artistas que as diferenciam. Olhar para onde? Paisagens pintadas por Quirós ou montanhas nevadas ao vivo? Uma pintura de Raúl Soldi só para você ou jardins onde impera a escultura Los Acróbatas, de Pablo Curatella Manes? Ernesto Bertani dá nome a uma suíte e tem umas garrafas transformadas bacanas no wine bar, ambiente onde encontrei Nahuel Alonso, dono de uma agência de turismo local. Ter o mesmo nome do lago é uma nostálgica homenagem dos pais, que deixaram o país sob a ditadura dos anos 1970 e tiveram Nahuel em Ibiza. Sua empresa, a Esencia Travel, monta trips personalizadas pela Patagônia. Quer declarar seu amor no meio do Nahuel – o lago – com violinos e flores? Observar condores do alto de uma montanha enquanto degusta vinhos selecionados por um sommelier? Nahuel diz que organiza tudo isso e ainda garante o tempo bom. Ele também já colocou uma chef local, Mariana Müller, cozinhando no alto do Cerro Catedral. As cadeiras improvisadas eram blocos de gelo forrados com peles.

Piscina e lago vistos do Design Suites, em Bariloche Piscina e lago vistos do Design Suites, em Bariloche

Piscina e lago vistos do Design Suites, em Bariloche – Foto: Xavier Martin

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Já para ir ao Cassis, o restaurante da Mariana, não é necessário grande esforço. Eis um lugar ao qual, uma vez conhecido, a gente sempre quer voltar. Mariana e seu marido, Ernesto, gostam de ficar por perto quando servem seu menu degustação (o vinho não me deixa lembrar de tudo, mas experimentei sopa de erva-doce, foie gras agridoce, queijo crocante com miniverduras… Quando estiver lá, pergunte à Mariana sobre a flor de saúco, verdadeira obsessão da chef por suas qualidades nutritivas. Ela provavelmente vai dizer que ficou exultante ao descobrir que havia delas aos montes na Alemanha, quando visitou o país para conhecer seus antepassados.

Minha primeira vez

Bariloche é Guarujá, é Petrópolis, é Capão da Canoa, um lugar tão familiar que a gente quase se esquece de que ali tem algo que não há no Brasil: neve. Foi só no final da viagem que subi ao Cerro Catedral para fazer uma aula de esqui. A minha estreia não chegou a ser uma catástrofe, a despeito de seguir direitinho o roteiro que qualquer comediante amador escreveria: a) a repórter gastando muitos minutos colocando o equipamento; b) Ana se equilibrando grotescamente, como se os esquis fossem pés de pato; c) a figura cambaleando; d) o mesmo personagem ganhando velocidade na neve; e) Ana, eufórica, gritando: “To esquiando, tô esquiandoooo!” A opção f vocês já imaginam qual é.

Salva-vidas do frio, em Bariloche Salva-vidas do frio, em Bariloche

Salva-vidas do frio, em Bariloche – Foto: Xavier Martin

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Esquiar dói, cada músculo do corpo se ressente da experiência, mas você deve tentar. Para que serve a vida, afinal? Como eu já me batizei no negócio, pretendo, na próxima, ficar nas atrações mais passivas. Como o tubing, bote que desce a mil pelas encostas do Cerro.

Despedi-me da cidade com mais chuva e homenageada por um arco-íris cujo baú devia estar em algum ponto da pista do pequeno aeroporto local. Pablo, o homem que lê o lago, voltou à mente quando vi o arco-íris. Sábio é quem olha sem querer ver, talvez ele dissesse agora. O melhor da vida nem sempre – ou quase nunca – está naquilo que ambicionamos.

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