Em um dos dias de folga da Seleção Brasileira durante a Copa do Mundo do Qatar, um grupo de jogadores decidiu sair para jantar na capital Doha, acompanhados pelo ex-jogador-agora-empresário Ronaldo. A escolha chamou atenção: o restaurante Nusr-Et Steakehouse, comandado pelo chef-celebridade Nusret Gökçe, conhecido por quebrar o punho para adicionar sal às carnes e servi-las cobertas por folhas de ouro comestível.
De luvas pretas, camiseta branca coladinha e óculos escuros, Gökçe serviu Eder Militão, Gabriel Jesus, Vinícius Júnior e Ronaldo na boca e, de quebra, ensinou aos craques como finalizar a carne com o punhado exato de cloreto de sódio a escapar pelos dedos, depois seguido pelos próprios jogadores. Ali, a carne folheada a ouro custa cerca de R$ 3 mil. “Grande noite com uma grande equipe”, escreveu o chef para agradecer a presença dos brasileiros.
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Semanas antes, o jantar de despedida das pistas do piloto Sebastian Vettel aconteceu não longe dali, em Abu Dhabi, em um restaurante do mesmo chef localizado no mais chique (e caro!) shopping da capital dos Emirados Árabes, The Galleria, onde estão instaladas todas as lojas das principais grifes. A foto da conta, paga por seu amigo e parceiro de Fórmula-1 Lewis Hamilton, viralizou pelo valor exorbitante: foram 615.065 dirhans gastos, o equivalente a R$ 870 mil, para 20 pessoas.
Além das carnes com ouro, algumas porções de carpaccio de Angus e de “flores de cebola” (como são conhecidas ali as cebolas empanadas), a conta listava algumas garrafas dos vinhos mais caros do mundo, como Château Margaux e Petrus (cujo rótulo pode custar R$ 140 mil; deslize a galeria abaixo e veja com seus próprios olhos).
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Os casos são representativos da cena gastronômica nos Emirados Árabes, onde muitos restaurantes abrem de olho em atrair um público interessado nestes jantares-ostentação: vinhos caros, vista privilegiada para as cidades futuristas, pouca preocupação no valor da conta.
Por muito tempo, era a imagem que eu (e muitos dos meus colegas que cobrem a área da gastronomia) tinha sobre a cena de restaurantes locais: muito dinheiro para atrair grandes chefs do mundo (de Massimo Bottura à Gordon Ramsay), enorme investimento para construções e decorações nababescas, pouca preocupação em fazer uma cozinha autêntica, que desperte interesse além dos posts nas redes sociais.
Mas, para minha surpresa, há um movimento culinário a ganhar corpo na cena de restaurantes em Dubai, Abu Dhabi, Manama (a capital do Bahrein) e Doha que contraria as primeiras impressões de quem, como eu, sai para comer na Península Arábica com certo preconceito. Ainda bem! Nos últimos anos, essas cidades têm presenciado a inauguração de conceitos de cozinhas mais autênticos, espaços pequenos e cheios de personalidade.
Claro, há ainda grande presença de grifes internacionais (como Zuma, Nobu, Hakkasan), de chefs que aceitam emprestar seus nomes para restaurantes de hotéis e muita ostentação. Mas por trás do ouro e das luzes, dos altos preços e da onipresença do caviar, há uma nova gastronomia se formando no panorama emiradense.
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“Estamos vendo mais chefes que moram aqui e são donos de restaurantes, espaços mais pequenos de 20 ou 30 lugares e ainda menus concentrados em um determinado estilo ou tipo de cozinha”, afirma Cláudia de Brito, jornalista de gastronomia radicada em Dubai.
Ela é uma dos membros da Academia que preside os jurados do The World’s 50 Best Restaurants, a mais importante premiação de restaurantes do mundo, que há dois anos realiza uma lista 100% voltada para o Oriente Médio e Norte da África, de olho em um mercado que não para de crescer.
No ano passado, também, o prestigiado Guia Michelin inaugurou uma versão de sua premiação em Dubai, e chega agora em 2023 em Abu Dhabi, prometendo reconhecer restaurantes que têm qualidade suficiente para serem avaliados por seu respeitado critério de estrelas (o guia premia as casas com uma a três estrelas, além da chamada “estrela verde”, que reconhece os restaurantes mais sustentáveis). Também o guia Gault Et Millau começou a atuar na região.
“Esses guias incentivaram uma subida de nível enorme em termos de serviço, ambiente, ingredientes, tudo. Acho que estamos passando por uma fase fascinante em termos da cena de restaurantes aqui, é só tende a melhorar”, afirma. Ela acredita que o Qatar, por exemplo, ainda está na fase de trazer nomes grandes. “É tipo Dubai há 10 anos”, explica.
Mas não tem dúvidas do potencial que as cidades dos Emirados Árabes podem atingir nos próximos anos. De Dubai, onde vive, ela recomenda alguns restaurantes, como Ossiano, Kinoya, Orfali Bros e Moonrise. Boas sugestões para colocar na lista na próxima visita à cidade — e comprovar que há muito boa gastronomia emiradense além da ostentação.
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