Ai, filho… San Francisco.
Você estava lá, um menininho de três anos, com uma chupeta azul na boca, cara de tédio, enrolando os cachinhos dourados nos dedos, olhando pela janela do motorhome (que você chamava de “tuturomi”), sem entender a lindeza que era chegar naquela cidade ao som de Tony Bennett cantando I Left My Heart in San Francisco – trilha sonora comandada pelo teu pai, que além de ser um ávido defensor da responsabilidade musical, sempre teve o sonho de conhecer San Francisco, um pedacinho da nossa última viagem em trio.
Eu poderia falar dos cable cars, do Pier 39, da Lombard Street e sua multidão de pessoas se matando por uma foto. Da Alamo Square, palco de várias filmagens. Do Fisherman’s Wharf, da Golden Gate, de Chinatown, da California Academy of Sciences, do SFMoMA, onde vimos uma das exposições mais legais da vida, a The Chronicles of San Francisco do artista francês JR. Mas eu quero falar das janelas e de outras pequenas coisas banais da cidade.
A melhor lembrança que ficou de San Francisco – Frisco para os íntimos, algo que definitivamente (ainda) não sou – foi andar pelas ruas de arquitetura vitoriana, olhar para as janelas das casas e apartamentos com suas luzes acesas, ver as abóboras nos halls dos prédios e entradas de casas (resquícios do Halloween). Imaginei o movimento lento de seus moradores pegando algo pra comer enquanto assistem algo na TV (sempre imensas!) ou ouvindo músicas tocadas em algum toca discos (nada de Spotify). Ou quem sabe tomando um vinho californiano do Coppola ou do Mondavi enquanto olham para a rua através de suas bay windows envidraçadas.
Enfim, a idealização total! Foi esse tipo de devaneio que me fez colocar San Francisco num pedestal. Pra ser perfeita só precisava ser fundida com Berlim. Daí seria o céu pra onde eu gostaria de ir depois de fazer a passagem desta pra uma melhor!
Junte a isso os salões de beleza chineses no bairro de Presidio, uma lavanderia chamada Missing Sock Laundry, (O pé de meia que se perdeu, tem nome mais poético?), o burburinho vindo do interior dos restaurantes, os cardápios despretensiosos em lousas escritas com giz e as vitrines de lojas de decoração exibindo lustres de vidro em formato de gota, que pensei seriamente em trazer na mala. Ah, e os grafites, sempre eles.
É isso, filho. As atrações da viagem foram lindas, de verdade, e ainda falaremos delas aqui, na mesa do jantar, nas viagens de carro… Mas as coisas banais ganharam palco especialmente nesta viagem. Foi muita nostalgia, saudades de algo que eu sequer tinha vivido, vontade de voltar pra lá, amarrar meu burro por aquelas bandas e esquecer que existe a iminência de um terremoto varrer com a Califórnia inteira, o tal do Big One.
Filhote, não perca a oportunidade de morar em San Francisco, nem que seja por uma temporada relâmpago. E não deixe de andar pelas ruas e fazer o exercício da imaginação. Acho que você vai gostar. Te amo. Pra sempre.
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