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Adriana Setti escolheu uma ilha no Mediterrâneo como porto seguro, simplificou sua vida para ficar mais “portátil” e está sempre pronta para passar vários meses viajando. Aqui, ela relata suas descobertas e roubadas
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Como é viver na Espanha em quarentena “radical”

Como anda a rotina em Barcelona desde que o governo endureceu as medidas de isolamento social

Por Adriana Setti
Atualizado em 31 mar 2020, 19h43 - Publicado em 31 mar 2020, 15h53

Hoje é meu décimo oitavo dia de quarentena obrigatória, obedecendo ao estado de emergência decretado pelo governo da Espanha no dia 14 de março. Mas foi ontem que o país realmente parou, com as novas medidas de limitação total de movimento que visam combater a pandemia de coronavírus. Até pelo menos o dia 9 de abril, apenas os serviços essenciais para manter as “funções vitais” da sociedade podem operar. Para quem já estava no “cativeiro”, como eu, a vida praticamente não muda. A diferença é que, a partir de agora, há muito mais gente em casa, com a paralisação de setores como a construção, a siderurgia e outros que ainda estavam funcionando normalmente.

As medidas em vigor desde ontem são parecidas com as que foram adotadas em Wuhan, berço do covid-19 na China, no auge da crise. Afinal de contas, a Espanha contabiliza mais de 8 mil mortos, sendo o segundo colocado em número de óbitos no mundo, depois da Itália. Em Madri, uma pista de patinação de gelo foi convertida em necrotério, já que as funerárias não estavam mais dando conta do recado. A cena, bem como as estatísticas, indicam que chegamos ao fundo do poço. Segundo o ministério da saúde, é provável que a Espanha esteja atingindo o pico do número de novos contágios esta semana e, consequentemente, o almejado “achatamento” da curva (quando a disseminação do vírus desacelera e o número de casos se espalha ao longo do tempo).

A situação que estamos vivendo é bem diferente à do Brasil atualmente. Enquanto aí o deslocamento entre cidades e estados ainda não está proibido, aqui só podemos viajar em casos muito específicos e controlados. A ordem é ficar em casa em todos os cantos do país e quem infringe as regras pode ser preso ou duramente multado. A polícia tem feito controles nas ruas e estradas e os trabalhadores dos setores essenciais precisam circular com um comprovante.

Todo o comércio está fechado, com exceção de supermercados e outros tipos de lojas de comida (as de jamón, por exemplo, foram consideradas essenciais), farmácias, óticas, tabacarias, bancas de jornal e lavanderias. Neste momento, só posso quebrar o confinamento para ir ao médico, cuidar de pessoas doentes ou comprar comida, remédio e outros itens essenciais. Ao sair, devo obrigatoriamente circular pelas ruas sozinha e não me afastar muito de casa (não há um limite de metragem, mas vale o bom senso). Em 18 dias, saí apenas duas vezes para comprar comida. Quase todo mundo na rua estava de máscara e, dentro dos supermercados, a distância de segurança entre as pessoas estava sendo respeitada religiosamente. O acesso é controlado para que não haja aglomerações e todo mundo espera a vez em uma fila na calçada, com mais de dois metros entre cada um. Frutas e verduras estão sendo mais disputadas. Mas não falta comida. Civilizadíssimo.

A Espanha está totalmente fechada para o turismo. O transporte público funciona com capacidade extremamente reduzida, terminais de aeroportos foram desativados e o tráfego aéreo é praticamente residual, representando menos de 10% do habitual. As viagens de trem de média e longa distância também despencaram em 95%. Todos os hotéis estão fechados ao público desde a semana passada. Alguns deles foram convertidos em hospitais e outros estão de “plantão” para alojar médicos, militares e outros profissionais que estão no front do combate à pandemia.

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Como vivo justo na frente do maior hospital da Catalunha (segunda região mais afetada, depois de Madri), em Barcelona, ainda vejo pessoas andando pelas calçadas durante o dia. Mas, à noite, o silêncio chega a ser aflitivo. O único momento em que essa paz estranha se alterna é às 20h, quando todos saem na janela para aplaudir os profissionais de saúde, verdadeiros heróis desse filme de terror (estima-se que 32% deles tenham sido infectados!). De vez em quando, também dá para ouvir os aplausos aos “sobreviventes” do covid-19 que conseguem ter alta.

Depois das palmas, é normal que algum vizinho coloque música e que haja alguma interação entre o povo na janela. Vídeos de shows e outras “performances” na varanda estão circulando aos montes. Mas, ao que tudo indica, o meu quarteirão não tem muita vocação artística. Nosso auge da diversão foi no sábado passado, quando uma DJ com ótimo gosto musical executou um set inspiradíssimo por umas duas horas. Foi ovacionada. Qualquer migalha de diversão e interação é bem-vinda.

Da janela para dentro, vou vivendo um dia de cada vez. Como meu marido e eu já estamos acostumados a fazer home office, e não temos filho, nossa rotina doméstica não foi drasticamente afetada. Entre o trabalho e o fator “Dia da Marmota”, acho que o tempo tem passado rápido. Tive a sorte de começar a quarentena justo depois de uma viagem movimentadíssima de mais de três meses pelo Brasil, da qual voltei almejando um “vale sofá”. Só não desejava, é claro, que a humanidade se unisse a mim no “modo casulo”.

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Se nos primeiros dias pensávamos que o fato de não poder sair de casa seria gatilho de surto, atualmente o desafio é controlar a autocobrança pela tal da “quarentena produtiva”. Diante de tanta coisa interessante (e outras toneladas de lixo) rolando no mundo virtual, adotei uma postura de “consuma com moderação”. Ando mais constante na meditação e até fiz algumas práticas guiadas via Zoom e Instagram. Já aquele curso on-line de Harvard ou da GV que todo mundo indica (mas não faz), vai ficar para depois. Como todo mundo, também tenho espremido todas as plataformas de streaming disponíveis no mercado. E, para não deixar a peteca cair, vou testando todos os apps de fitness possíveis, além de aproveitar algumas lives de famosos com seus respectivos personal trainers. Entre este parágrafo e o anterior, parei para exercitar os glúteos com Naomi Campbell. Tem coisas que, afinal de contas, só a quarentena pode fazer por nós.

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