Com seus casarões coloniais, suas igrejas barrocas e ruas de paralelepípedo, a pequena Serro, a 300 quilômetros de Belo Horizonte, foi a primeira cidade do Brasil a ser tombada pelo Iphan, em 1938. O destino no norte de Minas Gerais, em plena Serra do Espinhaço, faz parte do Caminho dos Diamantes da Estrada Real, a rota turística que segue o trajeto por onde o ouro e as pedras preciosas eram transportadas até os portos do Rio de Janeiro.
Serro se desenvolveu a partir da mineração no século XVIII, quando tinha grande importância política e econômica no Brasil colonial. A cidade tem um autêntico clima de interior e sua arquitetura oitocentista de pé até hoje faz com que andar pela cidade seja como viajar no tempo.
Os tempos de glória não duraram para sempre e o declínio do extrativismo impôs mudanças na economia. Hoje, a joia de Serro é outra: o tradicional queijo artesanal do Serro, cujo modo de fazer ganhou o título de patrimônio imaterial de Minas Gerais em 2002. Seis anos mais tarde, em 2008, foi a vez do Iphan reconhecê-lo e o queijo se tornar o primeiro patrimônio imaterial do Brasil.
O queijeiro Jorge Brandão Simões e sua irmã, Maria Coeli Simões, foram quem começaram as movimentações para reconhecimento da iguaria como patrimônio imaterial mineiro. Maria é autora do livro Memória e Arte do Queijo do Serro: o Saber sobre a Mesa e elaborou um dossiê para fundamentar o processo.
Há em torno de 800 produtores na região, de acordo com a Associação dos Produtores Artesanais de Queijo do Serro (Apaqs), e foi exatamente a fazenda da família Simões que eu visitei.
Na Fazenda Engenho da Serra, o cenário do típico casarão de pau a pique com curral e gado pastando em nada se parece com uma indústria do queijo e é assim que a família deseja mantê-la. O rústico também faz parte da tradição que os Simões lutam para preservar.
Jorge nos recebe em frente à centenária casa onde deu seus primeiros passos e aprendeu a fazer queijo com o pai. A visita é guiada de forma descontraída pelo queijeiro, que entre uma lembrança e outra, conta sobre a produção e não consegue conter sua paixão pela atividade.
O queijo era um item de primeira necessidade na alimentação da família Simões, que sempre dava um jeitinho de incluir o queijo nas refeições: com café, na macarronada, com farofa, com banana, à milanesa… haja criatividade!
As receitas eram feitas no salão do queijo – termo reivindicado por Jorge em vez da industrial queijaria –, que foi construído na década de 1940. O queijeiro se lembra com carinho dos dias em que podia participar do preparo ainda criança, quando entendeu que fazer queijo era uma arte.
Os produtores defendem que o queijo do Serro não é apenas um alimento, mas sim um símbolo de tradição rural mineira que leva sabor e memória à mesa.
Hoje, o salão do queijo abriga um pequeno museu com antigos utensílios do ofício. Jorge caminha entre as gamelas e formas de madeira, baldes, cochos e bancos fazendo uma cronologia da produção.
Apesar de meus avós serem mineiros, somos fluentes apenas no idioma do queijo da Canastra, que tem um sabor e modo de preparo diferentes, então o queijo do Serro foi uma novidade para mim. Ambos são feitos com leite cru, sal e coalho, mas os do Serro são mais firmes e têm menos tempo de cura, por isso, são menos ácidos e mais branquinhos.
A receita é uma só, mas os segredos de cada produtor e as características geográficas das fazendas garantem uma identidade única para cada queijo do Serro. A produção na região é famosa pela adição do “pingo”, um fermento natural que vem do leite, é coletado durante a própria fabricação, em vez de fermentos artificiais.
Esse lactobacilo é típico de altas altitudes, como na Fazenda Engenho da Serra, cercada por montanhas a 850 metros do nível do mar. Daí a especificidade do sabor dos queijos do Serro.
Jorge produz dez queijos por dia e gasta em torno de oito litros de leite por peça, que deve maturar ao menos 17 dias. Quanto mais o tempo passa, mais amarelo por fora o queijo do Serro fica, mas ao ser cortado, continua revelando a cor branca. O preço do quilo na fazenda varia entre R$ 30 e R$ 60, de acordo com o estágio de maturação.
O passeio terminou com um lanche da tarde ao melhor estilo mineiro, com muito café, bolachinhas, biscoitos de polvilho, e claro, o queijo do Serro – depois de tanto ouvir sobre o preparo, eu não via a hora de experimentar.
Ao cortar, o queijo desliza na faca e já dá para perceber como ele é macio e úmido. Na boca, o sabor é suave e cremoso. Se você não mastigar, ele dissolve na boca. Uma perdição!
Serviço
Serro fica a 227 km ao norte de Belo Horizonte pela estrada MG-010. Para chegar na Fazenda Engenho da Serra, é preciso acessar a pista que contorna a cidade de Serro, entrar na primeira direita após um viaduto e seguir por 15 quilômetros em estrada de terra. A visita guiada dura em torno de duas horas. Para fazer o passeio e saborear o café colonial, é preciso agendamento prévio pelo telefone (38) 99968-0666. O valor é R$ 80, mas o preço pode ser menor para grandes grupos.