Endereços que retratam a história negra no bairro da Liberdade
Antes das lanternas japonesas e da forte presença oriental, o bairro foi palco de violência contra pessoas escravizadas
É bem provável que ao pensar sobre o bairro da Liberdade, no centro de São Paulo, o que venha à mente seja a Rua Galvão Bueno, como as lanternas de estilo japonês (suzurantos) e o portal vermelho de nove metros (torii) no começo do Viaduto Cidade de Osaka.
Além da arquitetura japonesa, é óbvio associar a região com feiras, restaurantes, mercadinhos e galerias de produtos geek, mas o bairro já teve muitas outras caras.
Os primeiros imigrantes japoneses chegaram por volta de 1912 e a Liberdade só começou a tomar a forma que conhecemos hoje na década de 1970, quando o projeto era transformá-la em um bairro aos moldes de Chinatown, em Nova York.
E ainda antes da transformação em ponto turístico e centro de cultura japonesa, a região não se assemelhava à imagem que temos dela hoje. Nos séculos 18 e 19, o bairro abrigava uma grande comunidade de pessoas negras escravizadas, além de espaços de tortura dos cativos.
A Praça da Liberdade, por exemplo, onde acontece a tradicional Feira aos fins de semana, era conhecida como Largo da Forca. Entre 1765 e 1874, pessoas condenadas à pena de morte eram enforcadas em público ali; muitas das condenações eram de escravizados que tentaram fugir. Um pelourinho também existia no local.
Abaixo, você confere outros endereços que contam a história negra da Liberdade:
Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados
Em 20 de setembro de 1821, o soldado negro Francisco José Chagas, conhecido como Chaguinhas, foi condenado à forca após liderar uma revolta entre cabos contra atrasos no pagamento dos salários em Santos.
Conta-se que no momento da execução, a corda rompeu três vezes e a população admirada clamou por “liberdade!” – uma das explicações possíveis para o nome do bairro. Chaguinhas, no entanto, não foi perdoado e foi morto a pauladas.
Uma cruz foi erguida onde Chaguinhas morreu e se tornou um espaço de peregrinação e rezas. Tempos depois, em 1887, a Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados foi construída no local.
Onde? Praça da Liberdade, 238.
Capela dos Aflitos
O enterro dos condenados à morte na forca, dos escravizados e das pessoas indigentes era feito perto do Largo da Forca, no Cemitério dos Aflitos, que funcionou de 1775 até 1858, quando o Cemitério da Consolação foi inaugurado.
A Capela dos Aflitos, tombada em 1978, é a única estrutura que sobrou do Cemitério. Chaguinhas foi enterrado no local e se tornou padroeiro da igreja, mas não pode ser chamado de santo porque não foi canonizado. Ainda assim, uma missa em sua homenagem sempre é rezada no dia 20 de setembro, quando foi morto.
A Capela passa despercebida, afinal está no final de uma rua sem saída, acuada por prédios e com uma fachada deteriorada.
Em 2019, nove ossadas do século 18 foram descobertas durante a construção de um prédio na Rua Galvão Bueno, perto da Capela dos Aflitos. Diante da descoberta, foi determinada a criação do Memorial dos Aflitos no local, mas a construção ainda não avançou por divergências sobre o projeto.
Onde? Rua dos Aflitos, 70.
Estátua de Madrinha Eunice
Deolinda Madre – nome de batismo de Madrinha Eunice – é um símbolo de ativismo negro e feminino. Em 1973, a sambista fundou a Escola de Samba Lavapés Pirata Negro, a mais antiga de São Paulo ainda em atividade.
Madrinha Eunice nasceu em Piracicaba, no interior de São Paulo, em 1909 e se mudou para a capital aos 12 anos. Sempre morou no bairro da Liberdade e era chamada de “madrinha” porque batizava crianças – foram mais de 40 ao longo da vida.
A matriarca do samba paulistano foi uma das primeiras mulheres a estar à frente de uma escola de samba em São Paulo e ainda teve papel importante na luta pela oficialização do carnaval na cidade.
A estátua em sua homenagem foi inaugurada em 2022. Trata-se de uma escultura de bronze tem 1,70 de altura e retrata Madrinha Eunice dançando com turbante, saia rodada e colares.
Onde? Praça da Liberdade.