Como é morar no bairro mais cool do mundo
L’Esquerra de l’Eixample, em Barcelona, é o bairro mais cool do mundo em 2020 segundo a revista Time Out
Um belo dia você acorda e está no bairro mais cool do mundo: o seu. Lugar que chamo de casa desde 2001, o bom e velho L’Esquerra de l’Eixample, em Barcelona, ocupa o primeiro lugar do ranking The 40 coolest neighbourhoods in the world (Os 40 bairros mais cool do mundo) da revista Time Out em 2020, divulgado na semana passada.
Uma dessas listas que não servem para nada – mas que a gente ama! –, a da Time Out se baseia na opinião dos moradores das cidades concorrentes (em 2020, foram 38 mil entrevistados no mundo todo), cruzada com sugestões dos editores locais e pitacos dos jornalistas internacionais da publicação, que é referência como guia de destinos urbanos.
O não-cool é o novo cool
Curiosamente, segundo explica uma reportagem da edição barcelonesa da Time Out, o bairro mais cool de 2020 foi eleito justamente por não ser cool. Ou, pelo menos, não no sentido mais óbvio da palavra. Não é em L’Esquerra de l’Eixample que você vai encontrar os bares hipsters de Barcelona, as lojas dos designers mais disruptivos e nem aquele mix de coworking com centro de terapias da Nova Guiné. O que explica a vitória do bairro, onde não me acanho em circular de chinelo com meia, é seu espírito solidário e old school. Longe do circuito mais turístico da cidade, é onde alguns comércios locais sobrevivem bravamente e várias iniciativas do bem pipocaram durante a pandemia, com os vizinhos se ajudando entre si.
Mas nem tudo é tão low profile assim. Um dos melhores lugares para comer em Barcelona, L’Esquerra de l’Eixample é o endereço de alguns dos restaurantes mais incríveis da cidade, como o Disfrutar e o Gresca, além de uma lista grande de bares de tapas, padarias premium e afins. Isso sem falar no circuito das cervejarias artesanais, no fervo do “Gayxample” (LGBT), nas lojas da Rambla Catalunya e no glamuroso Paseig de Gràcia, que é logo ali. Fora isso, tem belíssimos edifícios modernistas, concentrados em ruas charmosas, como Enric Granados, Paris, Valencia, entre outras. Enfim, um baita lugar bacana.
Laboratório de urbanismo
Projetado pelo engenheiro Ildelfons Cerdà no século 19, L’Esquerra de l’Eixample é parte do Eixample, a vitrine modernista de Barcelona, famosa por seus quarteirões simétricos com um “furo” no meio. Considerado uma grande inovação urbanística 200 anos atrás, o bairro foi construído em cima de ideias que eram revolucionárias para a época. Mas, ao longo do tempo, algumas dessas sacadas foram mal executadas, enquanto outras perderam sentido.
Inicialmente pensados para serem praças públicas, muitos “miolos” das quadras não foram aproveitados. Meu quarteirão é uma das exceções: há uns 10 anos, ganhamos uma bela pracinha, que hoje em dia serve de ampliação do espaço de recreio das escolas dos arredores, para que as crianças fiquem menos aglomeradas. Esse modelo de urbanização também se reflete dentro das casas. Como os prédios são grudados uns nos outros, alguns cômodos de seus apartamentos têm janelas voltadas para um “poço de luz” interior (no meio do edifício). Quando Ildelfons Cerdà teve essa ideia, ela representava uma grande evolução em relação à arquitetura dos prédios claustrofóbicos e poucos ventilados do Bairro Gótico. Mas o “poço” também tem o seu lado B: é através dele que ouvimos ecoar a dor e a delícia da rotina dos vizinhos, com direito a roncos, puxadas de descarga, discussões e momentos calientes. A vida como ela é.
Uma grande ideia, 200 anos depois
Numa época em que havia poucos carros em circulação, as quadras do Eixample também foram projetadas para que houvesse todo tipo de comércio em um raio de poucos metros. É assim até hoje. Se quisesse, eu poderia passar toda a minha vida sem atravessar a rua. Porém, ao se tornar uma das áreas comerciais mais agitadas de Barcelona, onde muita gente vem para trabalhar, ir ao dentista ou ao maior hospital da cidade, o bairro também acabou sendo um dos mais barulhentos e poluídos.
Para reverter essa situação, nos últimos anos, várias faixas de circulação foram transformadas em ciclovias e algumas calçadas foram ampliadas. A minha rua, por exemplo, teve um trecho fechado para carros e ganhou muito mais espaço para pedestres, com bancos e algumas árvores, na frente da saída do metrô.
Vários outros projetos estão sendo discutidos nesse sentido e a transformação de alguns quarteirões em superquadras com espaços mais verdes e voltados para as pessoas está em andamento. Ou seja, nem tudo é perfeito no bairro mais cool do mundo, mas o legal de morar nele é vê-lo sempre em movimento e, pelo menos do ponto de vista do urbanismo, quase sempre mudando para melhor.
No próximo post, fiz uma listinha dos meus endereços favoritos no quintal de casa. E fico aqui torcendo para o dono do meu apê não aproveitar o embalo para aumentar o aluguel.